Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, maio 02, 2005

Lula culpa EUA pela valorização do real


"Todo empresário sabe que [a desvalorização do dólar] é um problema da política americana", afirma o presidente em discurso para metalúrgicos; depois, na Fiesp, conclama empresários a parar de chorar

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou, nesta segunda-feira, que a desvalorização do dólar no Brasil é resultado da política econômica dos

Estados Unidos. Não caberia a ele, portanto, resolver esse problema, do qual os exportadores brasileiros tanto se queixam.

"A gente deveria fazer uma comitiva para ir se queixar do câmbio onde efetivamente está a razão da desvalorização do dólar, que não é no Brasil. Todo empresário sabe que o câmbio tem um problema com a política americana, e não é um problema para que nós resolvamos do jeito que alguns imaginam. A gente deveria fazer uma comitiva para ir se queixar do câmbio onde efetivamente está a razão para a desvalorização do dólar, que não é no Brasil", disse.

O presidente, que discursou na fábrica da Volkswagen em São Bernardo do Campo (SP), na solenidade em comemoração da fabricação do carro de número 15 milhões da montadora no país, afirmou ainda que, apesar da depreciação da moeda norte-americana, as vendas externas brasileiras vão bem, e os dados positivos da balança comercial são resultado do trabalho de empresários e políticos que "aprenderam a vender tudo de bom que o Brasil tem".

As palavras do presidente também contemplaram os críticas dos juros altos. A eles sugeriu que formem cooperativas de crédito. Para ele, essa é uma forma de fazer os bancos baixar os juros dos empréstimos.

Lula se declarou de tal forma entusiasmo com o modelo de cooperativas que, para dar exemplo, filiou-se, juntamente com a primeira-dama, Marisa Letícia,  à Cooperativa de Crédito dos Metaúrgicos do ABC (CredABC). Ele disse esperar que sua atitude estimule as pessoas a fazer o mesmo. "Sou amante das cooperativas, e o meu sonho é que o Brasil tenha a predominância de várias cooperativas", disse. Segundo uma nota da CUT datada de 29 de março, a "CredABC tem 561 sócios e já fez mais de 350 empréstimos, com valor médio de R$ 1,3 mil cada".

Mais discurso
À tarde, o presidente fez outro discurso, desta vez na sede da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), onde foi realizada a solenidade de comemoração dos cinco anos do jornal Valor Econômico, e novamente voltou a falar de câmbio. Desta vez, no entanto, recomendou aos empresários que poupem as reclamações porque o governo não vai interferir na apreciação do real. Ele afirmou que vê "pessoas querendo que o [ministro Antonio ] Palocci determine o valor do dólar, os mesmos que, algum tempo atrás, pediam par que o dólar fosse flutuante".

Segundo ele, o governo trata com tal seriedade a política econômica que adotou que não hesitou em elevar os juros às vésperas da eleição do ano passado, mesmo correndo o risco de perder a disputa em cidades importantes. "Vocês estão lembrados que faltavam 15 dias para a eleição da Prefeitura de São Paulo e nós aumentamos os juros, coisa que não é habitual fazer no Brasil. No Brasil, normalmente as pessoas esticam a corda até passar as eleições. Passaram as eleições, solta a corda, e fica quem quiser com o prejuízo. Por experiência, eu sei que arrebenta do lado mais fraco", afirmou.

De acordo com Lula, se o atual patamar do câmbio permite que os produtos chineses invadam o Brasil, "ao invés de ficarmos chorando, temos que nos preparar" e "é preciso que a gente pare de se achar coitadinho". A solução, na sua opinião, é  procurar novos mercados, como tem feito sua gestão.

Agora, segundo ele, "o Brasil tem um leque de opções para fazer comércio exterior sem precisar ficar dependendo apenas das duas economias já consolidadas", os Estados Unidos e a União Européia, grandes parceiros aos quais o Brasil precisaria se "dedicar um pouco mais".

Sem mencionar o caso, mas numa referência clara à sua declaração de que o Brasil havia tirado a Alca (Área de Livre Comércio das Américas) da pauta, disse que o que seu governo fez foi tirar a "carga ideológica muito forte que estava na questão da Alca", o que implicou romper com o parâmetro segundo o qual ser favorável ao bloco era ser subserviente aos EUA. "Não concordar com a Alca tal como ela estava, a partir dos próprios documentos da Federação das Indústrias de São Paulo, era ser xiita, radical e antiimperialista", discursou.

Para mudar isso, Lula disse foi preciso "correr o mundo e fazer com que as opções do Brasil se alargassem", aumentando o comércio com a África, com o Oriente Médio e com a América do Sul e apostando que esse mercado pode crescer ainda mais.

Para isso, é preciso ter em mente, disse o presidente, "que o mundo é maior do que as relações costumeiras que estávamos habituados a fazer e que mercados como os Estados Unidos e a União Européia, que são extremamente importantes, também têm uma certa limitação, na medida em que eles, pela sua forte economia, são as relações preferenciais de todos". Segundo ele, a EU é a "noiva que todo mundo quer ter", e os EUA, "o noivo que todo mundo quer ter", mas "nem todos conseguem chegar perto com a força que deveriam chegar".

Lula disse que "os americanos são duros na queda" e que ele não quer afrontá-los, mas sim encontrar um novo modelo de relacionamento. "Nós não queremos afrontar os americanos não, não sou louco! O que nós queremos é tratá-los como eles nos tratam, é dizer a eles que nós queremos os mesmos direitos que eles querem. E, na lógica comercial, é a única chance de nós levarmos, pelo menos, o jogo para o empate e não perder de goleada, como sempre perdemos."

Para o presidente, responsabilidade e negociação valem mais que o confronto no tratamento dos problemas. Ele lembrou o tempo em que era a favor do rompimento com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e comparou com o atual, em que o país dispensou um novo acordo com a instituição.

 "Eu, que passei parte da minha vida gritando 'fora FMI', não sei se aqui alguém gritou; eu gritei muito. De repente, eu sou presidente da República e nós saímos do FMI pela porta da frente, sem um único grito, apenas dizendo: olha, construímos a base necessária para que a gente possa sair, não precisamos mais. Se um dia precisarmos, voltaremos de cabeça erguida, porque somos cotistas do FMI. Não precisei fazer nenhum discurso ideológico. Pelo contrário, até pedi voto para o atual presidente do FMI, veja que evolução", afirmou.

Reação

O presidente da Federação Fiesp, Paulo Skaf, respondeu ao presidente Lula. Disse que os empresários não choram e trabalham duro, mas que não é fácil ser empresário no Brasil por causa da taxa de juros, da falta de crédito, do excesso de burocracia e da altíssima carga tributária.


Preconceito
Metalúrgicos não precisam necessariamente acompanhar o noticiário econômico nem saber a opinião de especialistas. Não é parte de seu ofício. Mas o presidente tem obrigação de falar a verdade a quem quer que seja. Ou não falar nada

Por Liliana Pinheiro

Será que para uma platéia de empresários e de economistas, o presidente Lula diria que a cotação do dólar diante do real é definida pela política norte-americana? Se sim, Lula mostra um despreparo para governar que já nem deve ser motivo de crítica — a essa altura, inútil —, mas de profunda preocupação. Se não, ele está tratando com preconceito seus ex-colegas metalúrgicos, negando-lhes a verdade porque se fia na ausência de conhecimentos específicos da categoria acerca de mágicas cambais e outros tantos truques de sua administração.

Metalúrgicos não têm a obrigação de saber que os juros elevados do Banco Central propiciam um ambiente de especulação para o capital internacional. E que a busca pela maior remuneração do mundo é o que faz com que o real perca valor diante do dólar — mais no Brasil do que nos demais países, que mantêm a variável cambial sob grande vigilância. Metalúrgicos não precisam necessariamente acompanhar o noticiário econômico nem saber a opinião de especialistas. Não é parte de seu ofício. Mas o presidente tem obrigação de falar a verdade a quem quer que seja. Ou não falar nada — se isso contraria o interesse nacional. Se deseja ser apenas didático, que use mais uma de suas inúmeras metáforas — o talento da comunicação fácil jamais lhe fez falta.

Mais tarde, na solenidade de aniversário do jornal Valor Econômico, e falando para a elite econômica, o presidente evitou bobagens desse quilate. Em vez da tal "comitiva" para reclamar do câmbio nos EUA, ele propôs aumento do comércio com os Estados Unidos, avisou que não vai intervir no câmbio e informou que pretende se reunir com setores que se sintam prejudicados com a valorização do real para ajudá-los a encontrar novos mercados. 

Embora também nesse segundo discurso a simplificação da realidade fique evidente, não está presente o engodo vendido aos metalúrgicos como fina teoria econômica.

De todo modo, ninguém engana a todos durante todo o tempo. Fazer política não é privilégio de petistas, e na Volkswagen um grupo de trabalhadores deu mostras de que também está disposto a trabalhar nesse terreno. Uma faixa de protesto aqui, uma palavra de ordem ("Arrocho!") acolá, e a festa populista de Lula deixou o campo da perfeição. As vaias a sindicalistas da CUT assombraram a solenidade, por mais que eles tenham se profissionalizado na política a ponto de nem piscar diante de manifestações assim.

A oposição sindical na Volkswagen tem certa força e há muito incomoda a turma do presidente. Mas é óbvio que ela não se atrevia a aparecer havia muito pouco tempo, quando Lula ainda enfeitiçava platéias com um discurso de oposição. De fato, lá se vai o último território brasileiro em que petistas podiam se movimentar sem uma única contestação quanto a seus métodos e idéias. Mesmo em casa, o amor ao líder deixou de ser incondicional. Melhor assim, do ponto de vista dos interesses do cidadão comum, este que pagará caro se as exportações perderem o fôlego por causa do câmbio e se as empresas pararem de investir por causa dos juros altos.

No mais, a balança comercial, por ora, vai muito bem, está certo o presidente em relação ao retrato do momento. Inevitável é lembrar que um desastre não se constrói do dia para noite, mas na insistência em um princípio equivocado. O Brasil já viveu isso em relação ao câmbio fixo. Já incorreu em outro erro, o tabelamento de preços. No começo, toda idéia simples dá certo — como a atual, de controlar preços deixando o dólar se desvalorizar e, ao mesmo tempo, deixando os juros nas alturas.

Devagar, porém, os sintomas de esgotamento da mágica vão transformando a virtude em vício. A desaceleração da atividade industrial já deveria ser um sinal de alerta, assim como a queda das vendas do varejo e o aumento do desemprego.

Além disso, embora quase todo o tempo o presidente Lula tenha falado em exportações — parece que a única obra de peso a ser mostrada —, um bom observador político certamente está de olho em outro resultado, mais modesto, desimportante nas grandes análises, quase um acessório a ser mencionado só depois de lembrados outros grandes números da economia: a inadimplência.

Esse indicador, que deu um salto gigantesco neste ano, está comunicando o que se passa nos orçamentos familiares dos eleitores.


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