O Brasil ganhou um parceiro importante na disputa política que se desenrola nos bastidores do Itamaraty sobre como tratar o combate ao terrorismo na Carta de Brasília, que será divulgada no fim da Cúpula América do Sul-Países Árabes que começa hoje: o presidente da Argentina, Néstor Kirchner, chegou a Brasília com uma preocupação a mais, além de aparar as arestas com o presidente Lula e colocar nos eixos o Mercosul.
Ele deu orientações expressas a seu chanceler Rafael Bielsa para que não aceite uma declaração final que tenha expressões ou conceitos dúbios a respeito do terrorismo. A razão dessa posição rigorosa de Kirchner está em uma viagem recente que fez à Alemanha, onde visitou o campo de concentração de Dachau, nas comemorações pelos 60 anos da libertação. Segundo relatos, ficou “muito impressionado” com o que viu e, ao regressar a Buenos Aires, convocou a Confederação Israelita Argentina, com a qual mantém ótimas relações — foi no seu governo que se retomou a investigação do atentado terrorista de 12 anos atrás a uma associação israelita, onde morreram 86 pessoas — e transmitiu-lhes a orientação que dera a seu chanceler.
Kirchner deu ordens expressas para que Bielsa não aceite uma declaração final da Cúpula que contemple qualquer termo que oficialize o conceito de “bom” e “mau” terrorismos. A Argentina não assinará qualquer documento que não deixe claro o repúdio ao terrorismo. Nesse caso, a posição argentina coincide com a brasileira, que já vinha negociando a retirada de alguns termos do documento.
O Líbano e a Autoridade Nacional Palestina estão forçando politicamente para que a declaração final reconheça “o legítimo direito das pessoas de resistir à ocupação estrangeira, com vistas a alcançar uma independência nacional de acordo com a lei internacional e o aval das Nações Unidas”.
A posição, que visa a legitimar o Hamas dentro da ANP, e o Hezbollah dentro do Líbano — grupos que o governo americano coloca no rol de terroristas — tem o apoio da Venezuela, cujo presidente Hugo Chávez anda obcecado com a possibilidade de ser invadido pelos Estados Unidos.
Os americanos já vinham trabalhando nos bastidores há muito tempo para garantir que o documento final não contenha surpresas políticas, o que foi prometido à secretária de Estado Condoleezza Rice quando esteve recentemente no Brasil. Também o governo de Israel vem pressionando diplomaticamente, temendo ser atacado durante o encontro de Brasília, e o próprio presidente Lula garantiu, em declaração recente, que a cúpula não será “contra Israel.”
Questões que dizem respeito diretamente a Israel, incluídas na proposta inicial, estão sendo negociadas pelo Brasil: a definição de Jerusalém Oriental, onde está o Muro das Lamentações, como local da capital da Palestina, inaceitável para Israel, deve desaparecer do documento final.
Mas a exigência de retirada de Israel “de todos os territórios árabes ocupados para as linhas de 4 de junho de 1967, incluindo as Colinas de Golan e Fazendas de Sheba”, até ontem à noite estava mantida, embora organizações israelitas tivessem a esperança de que ela também não figurará no texto final.
Qualquer palavra que permita uma interpretação equivocada sobre a posição brasileira contra o terrorismo seria sepultar a pretensão de ter um assento permanente no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas. A proposta dos países árabes, embora contenha uma defesa da “importância de se combater o terrorismo em todas as suas formas e manifestações”, joga para a ONU a definição de terrorismo, que seria feita após uma conferência internacional.
Acontece que o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, já propôs aos membros da organização uma definição que não dá margem a dúvidas: terrorista é todo aquele que ataca civis indefesos com o objetivo de impor suas idéias, sejam elas de que tendência política forem. O Brasil está propondo que, em vez da distinção entre o “bom” e o “mau” terrorismo, sejam incluídas no texto final referências a convenções internacionais que tratam dos direitos humanos, lei dos refugiados e lei internacional humanitária. Assim, o que a ONU decidir, seria acatado.
Embora esvaziada do ponto de vista de presenças, com a falta de líderes árabes como Muammar Kadafi, da Líbia, Bashar Al-Assad, da Síria, o príncipe Abdullah, da Arábia Saudita, Hosni Mubarak, do Egito, e o rei Abdullah, da Jordânia, a reunião de Brasília terá, porém, seu peso político ressaltado pelos temas da Carta de Brasília. Mas a ausência desses líderes não é ocasional.
Os Estados Unidos, depois de terem negado o pedido de participar da reunião como observadores — negativa correta, aliás, pois trata-se de uma reunião bilateral — trabalharam para dar uma rebaixada na representação de alguns países-chave.
Também a defesa da democracia nas duas regiões pode aparecer no documento final, e teria um peso político fundamental para a política externa dos Estados Unidos. O próprio chancelar Celso Amorim, ao negar que a secretária de Estado Condoleezza Rice tivesse revelado qualquer preocupação com o encontro, lembrou que o Brasil está exaltando a democracia com a reunião e estimulando sua adoção nas duas regiões.
Mas a abordagem do tema divide os países. Embora exista um consenso, principalmente nos países da América do Sul e alguns aliados árabes dos Estados Unidos, de que os valores e princípios democráticos são instrumentos essenciais para a luta contra o terrorismo, existe também a certeza de que ela não pode ser imposta à força. O respeito à diversidade cultural também deve constar do documento.
O GLOBO
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