Os primeiros movimentos das autoridades sugeriram que, desta vez, tudo seria diferente: a Chacina da Baixada reafirmara o banimento das fronteiras da infâmia, decretado com sangue, anos antes, pelos massacres da Candelária e de Vigário Geral. A contra-ofensiva agora haveria de consumar-se com rapidez e rigor.
A identificação dos matadores não demorou: eram policiais militares aborrecidos com medidas moralizadoras adotadas por comandantes de quartéis. A prisão de alguns exterminadores noturnos encorajou testemunhas a participar de sessões de reconhecimento de suspeitos.
Moradores de Nova Iguaçu e Queimados ousaram juntar-se na missa de 7º dia, numa manifestação de protesto sem precedentes naquelas paragens atormentadas, desprotegidas, assustadiças. Compareceram ao ato centenas de otimistas. Milhares de vizinhos acharam prudente ficar em casa. E se o andar das viaturas retomasse o ritmo de sempre? E se o barulho em torno do caso fosse pouco duradouro? Quem zelaria pelos órfãos do Estado?
Um mês depois de um extermínio de 29 inocentes - uma tríplice e desmoralizante afronta aos governos federal, estadual e municipal -, o episódio segue estacionado na fase de inquérito. Tal lentidão é mais que um atestado de incompetência dos serviços de segurança. É um estímulo à bandidagem fardada. É, sobretudo, a reiteração do recado enviado regularmente aos alvos preferenciais das periferias: cada um que cuide de si.
O cinema já mostrou em dúzias de filmes como funciona nos Estados Unidos o programa de proteção a testemunhas, monitorado pelo FBI. Testemunhas que se sentem ameaçadas se inscrevem no programa e, acompanhados das famílias, virtualmente desaparecem. Mudam os documentos e o endereço, guardado em sigilo. Recebem dinheiro para despesas e proteção permanente. O escudo funciona exemplarmente.
Existe no Brasil, desde 1996, um Programa de Proteção a Testemunhas subordinado à Secretaria Especial de Direitos Humanos. Há tantas semelhanças entre o modelo americano e essa versão tropical quanto as existentes entre a Quinta Avenida e a Baixada Fluminense. "Temos capacidade para proteger 930 pessoas, mas só 650 são atendidas no momento", diz a coordenadora-geral Nilda Turra.
Sobram vagas. Mas nenhum dos moradores da Baixada que aceitaram identificar os assassinos procurou abrigo no programa, contemplado com quase R$ 12 milhões no orçamento para 2005. Preferem refugiar-se em casas de parentes e amigos.
"Para inscrever-se, basta procurar qualquer delegacia", informa Nilda. Aí é que mora o perigo, sabem brasileiros expostos à violência conjunta de bandidos de bermudas ou fardados que procurar a polícia pode ser o caminho mais curto para a cova rasa: querem proteção, podem colidir com cúmplices dos executores. Estão em toda parte.
Se conseguirem um lugar no programa, saberão que, no Brasil, proteção tem prazo: dois anos, prorrogáveis por igual período, se os avaliadores federais assim decidirem. Liberados, voltarão ao local dos crimes. E à alça de mira dos criminosos impunes. Não é uma hipótese animadora.
Quase dez anos depois de criado, o programa brasileiro não saiu da infância. Ainda engatinhava e já causava sustos. Em 1999, por exemplo, o ex-deputado Hildebrando Paschoal, cassado e preso por numerosos assassinatos, viajou de Brasília para o Acre num vôo de carreira. Sentou-se no banco do meio. À direita, um policial federal. À esquerda, uma testemunha que topara falar contra o bandido. Estava sob a proteção do programa - e, ao menos nos ares, sob o domínio do medo.
JB
Entrevista:O Estado inteligente
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terça-feira, maio 03, 2005
AUGUSTO NUNES:A sombra do medo envolve a Baixada
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