Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, março 02, 2005

Jornal O Globo - Miriam Leitão Sinais do PIB

O PIB cresceu o que se previa, o problema são os detalhes. O primeiro detalhe é que, em cada trimestre do ano passado, o país cresceu menos do que no trimestre anterior. E os dados de investimento caíram em dezembro. Mas o fato é que o país cresceu no ano passado numa taxa maior do que a dos últimos dez anos e que o consumo das famílias aumenta há cinco trimestres seguidos.
Contra o mesmo trimestre do ano anterior, o país cresceu 4,9% no último trimestre de 2004. Mas o detalhe é que cresceu apenas 0,4% contra o trimestre anterior. O ano passado, quando se olha o crescimento de cada trimestre contra o anterior o resultado é uma escadinha: 1,8%, 1,5%, 1,1% e 0,4%.


Mas o que assustou todo mundo foi a queda abrupta do investimento. No terceiro trimestre, o investimento havia sido 6,8% maior, muito mais que os 3,4% no segundo trimestre. Mas, nos últimos três meses do ano, o investimento caiu 3,9%.

O Credit Suisse First Boston divulgou análise explicando que parte da queda é devido à metodologia de registro das contas, que incluiu as duas plataformas da Petrobras como exportação e não como investimento. “Caso não tivessem sido excluídas da FBKF, os investimentos provavelmente não teriam caído.”

Mesmo com esse ponto de dúvida, há muito o que comemorar num ano de bom crescimento.

Ontem, a OCDE divulgou um documento sobre o Brasil em que se penitenciou por um erro cometido em 2001: num outro texto sobre o país, a organização foi cética com relação ao cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal.

— Este governo adotou políticas econômicas que permitiram que o país tomasse um bom rumo; 2004 acabou sendo um ano bastante positivo depois de vários anos de crescimento fraco — elogiou, num seminário feito pela FGV, o vice-diretor da OCDE, Andrew Dean.

Ele recomendou, entretanto, que o Brasil consolide a melhoria do ajuste fiscal, melhore a qualidade do investimento, assim como melhore a eficiência dos investimentos no social.

O professor Alexandre Scheinkman lembrou que gasto social tem que ter direção certa:

— Gasto educacional no ensino básico beneficia os mais pobres, gasto com universidade beneficia a classe média ou quem está muito próximo.

Fábio Giambiagi acha que o governo foi impecável em 2003 nos gastos públicos, mas em 2004 aumentou muito as despesas. Os gastos com pessoal aumentaram 5,4%, mas o que aumentou mesmo foi o OCC, onde estão as despesas de custeio da máquina: aumentou 18% real.

O secretário do Tesouro, Joaquim Levy, rebateu as críticas, lembrando que, quando o crescimento do ano passado elevou a arrecadação, o governo decidiu elevar o superávit primário:

— O governo poupou um pouco e investiu um pouco mais, como tinha mesmo que fazer.

No debate de ontem da OCDE, foram revisitados alguns dos velhos problemas que vêm sendo levantados pelos economistas:

A falta de investimento de longo prazo que garanta que este não será apenas mais um curto período bom como foram os de 94-97 e 2000;

A falta de regulação clara para os investimentos em infra-estrutura;

O erro nas escolhas com o dinheiro público;

O Brasil, disse Dean, é um dos países que gastam mais com a previdência. Quando se compara isso com a idade média da população brasileira, ainda muito jovem, o dado fica contraditório;

Scheinkman criticou de novo a taxa de juros reais.

— Duvido, Joaquim, que você consiga lançar títulos de longo prazo quando pode-se aplicar no overnight numa taxa de juros reais de 12%.

O secretário do Tesouro repetiu a tese de que os juros reais estão em queda quando se compara com uma série mais longa que vem desde o primeiro ano do governo Fernando Henrique.

Fábio Giambiagi apresentou a conta do custo da dívida, descontando-se o custo da desvalorização cambial, e mostrou que ela até subiu no ano passado.

O secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, rebateu que a conta não pode ser feita assim, desconsiderando que o peso do câmbio foi alto no governo passado porque a dívida era, em grande parte, indexada ao dólar, o que mudou no atual governo:

— Foi opção de política econômica reduzir a exposição da dívida ao câmbio.

Números e interpretações à parte, o fato é que o país cresceu no ano passado, vai crescer este ano, mas há alguns detalhes que preocupam: o investimento caiu, o crescimento está em desaceleração, a inflação ainda não caiu o suficiente apesar de o dólar ter caído 18% nos últimos meses, os juros são os maiores do mundo, a carga tributária é alta e o governo gasta muito e mal.

Giambiagi até lembrou que ninguém deve se impressionar com o corte de gastos. Falou que o orçamento vai para o Congresso, os deputados e senadores aumentam as despesas, o governo corta menos do que foi acrescentado:

— Aí os jornalistas dizem que o governo cortou, quando, na verdade, foi corte de vento.

O número do PIB é bom, de fato, mas um olhar mais amplo sobre a economia impede que se comemore.

É preciso, como repetiram os economistas que falaram no seminário da OCDE, garantir o crescimento sustentado. Ele não está, nem de longe, garantido.

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