Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, março 02, 2005

Jornal O Globo - Mais PT ‘light’- Merval Pereira

NOVA YORK. A conversa do (ainda) ministro Aldo Rebelo com o presidente do PT, José Genoino, sobre o olho grande do partido na coordenação política do governo, é apenas o sinal mais evidente de que o desfecho desse caso já está desenhado: o cargo muito provavelmente vai para o PT na reforma ministerial, numa tentativa de reorganizar a base aliada.

Será preciso alguém para exercer o cargo que fale pelo governo com credibilidade, e nesse quesito, o atual ministro já foi reprovado pelo trabalho de sapa que o PT vem desenvolvendo, mesmo à revelia do próprio presidente Lula, que pensou, quando nomeou um deputado do PCdoB, em valorizar os partidos aliados na coalizão que dava sustentação ao governo na Câmara.

A manobra, no entanto, não deu certo e os partidos da base sentiram falta de um interlocutor que pudesse assumir compromissos em nome do governo sem correr o risco de ser desmentido pelos fatos. O nome da preferência continua sendo o do ministro José Dirceu, mas dificilmente ele voltará ao cargo, embora possa admitir, em conversa informal, que não deveria ter saído da coordenação quando pediu ao presidente que dividisse suas tarefas com outro ministro.

A idéia de fazê-lo focar sua ação na coordenação da máquina governamental foi do próprio Lula, que hoje já admitiria que o contrário poderia ter sido mais eficaz. O petista que porventura substitua Aldo Rebelo na coordenação terá que ter o espírito do governo de coalizão para reorganizar a base aliada, devastada pela revolta do baixo clero que mudou o panorama da Câmara dos Deputados. Alguém como o ex-presidente da Câmara, João Paulo Cunha, que o ministro José Dirceu lamenta até hoje não ter sido reeleito.

A esquerda do partido teme exatamente que nesse quadro, o governo tenda a responder ao crescimento do centrão fisiológico com mais fisiologismo, na definição do deputado Chico Alencar. Segundo ele, o governo Lula está conseguindo, mesmo sem querer, unir os conservadores e desunir a esquerda.

Nessa análise, deve ficar mais conservador, social-liberal, se tanto, “com mais concessões a tudo que sempre condenamos politicamente”. Chico Alencar afirma que, apesar disso, “boa parte do PT, e não apenas a esquerda partidária, incluindo ministros, entende que, nesta segunda e última etapa, é hora de reduzir a presença destes ‘aliados’ nada confiáveis, e dar um perfil politicamente progressista e tecnicamente competente ao conjunto do Ministério, com nomes inquestionáveis diante da opinião pública”.

A esquerda do PT insiste em querer alterações na política econômica e “o reatamento dos laços com os movimentos sociais e com a difusa força popular mudancista que levou Lula lá em 2002, sob pena de a polarização eleitoral do ano que vem se dar pelos nomes, sendo meramente eleitoral e bem despolitizada, e não de programas e visão de Brasil diferenciados”, diz Alencar. Segundo ele, “já passa do tempo do PT descobrir que não é mera correia de transmissão do governo. E que se este é de centro-esquerda, alguém tem que ser esquerda ali”.

O deputado lembra que na eleição do novo líder da bancada, Paulo Rocha, do Pará, foi aprovado um programa de ação que vai nessa linha: “vigilância permanente do ponto de vista interno, para barrar os retrocessos que Severino e seu clero tentarão produzir, e protagonismo já, para interferirmos na agenda do Executivo para o Legislativo. Consideramos inoportunas as propostas de reforma trabalhista e autonomia do BC.”

Em meio a essa complexidade desafiadora, diz Alencar, “vem a incontinência verbal do Lula, que, de nossa parte, só pode ser mitigada com a defesa de uma CPI das privatizações. A franqueza pública do presidente não pode virar fraqueza ética. Se ele, chefe do Executivo, mandou deixar o passado para lá, em nome de uma transição pacífica, pactuada, nós, do Legislativo, em face do dito, temos a obrigação de investigar, inquirir, examinar”.

A tese de uma reorganização das alianças, dando prioridade aos partidos da esquerda, tradicionalmente aliados ao PT, é considerada pelo ministro José Dirceu “um suicídio político”. Ele está em Nova York falando a investidores sobre as virtudes da economia brasileira — ontem teve até mesmo o vigoroso crescimento de 5,2% do PIB para anunciar no almoço do Council on Foreign Relations — mas não se afasta da política nacional, embora garanta que não quer voltar à coordenação política.

Dirceu admite que foram muitas as falhas do governo na relação com os partidos aliados, que geraram a derrota para a presidência da Câmara, e prevê que haverá muito trabalho para refazer a coalizão partidária que apoiava o governo na Câmara. Dirceu acusa o PSDB de estar querendo desestabilizar o governo Lula com vistas à campanha presidencial de 2006, e acredita que, embora Lula seja o favorito, a campanha da reeleição será muito difícil.

Ele diz que se dedicará, na coordenação do governo, a aprimorar a máquina pública e a demonstrar que a administração petista é competente. Este será seu trabalho político prioritário, com vistas a desmontar a principal arma da oposição, que tenta fixar na opinião pública a imagem do governo Lula como incompetente para governar.

Dirceu diz que as mesmas pesquisas de opinião que apontam Lula como favorito na próxima campanha presidencial, mostram também que as mudanças de comportamento do PT no governo são bem vistas pela opinião pública. O ministro José Dirceu resume assim o recado da opinião pública: o Brasil melhorou porque o PT mudou, e é preciso mudar muito mais.

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