Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, março 04, 2005

Jornal O Globo - Luiz Garcia Sem gaiola para o Bem-Te-Vi

Quais são as opções de um líder comunitário de favela no Rio de Janeiro? A mais comum é transformar-se em sócio minoritário do traficante da área. É cômoda, rentável e promete alto índice de sobrevivência. Outra é procurar mobilizar a comunidade contra os bandidos. Talvez não exatamente enfrentá-los a ferro e fogo, mas negar-lhes qualquer obediência e serviços. É brava atitude: logo merecerá as homenagens póstumas da comunidade.


Segundo aparentemente sugerem seus defensores, William Oliveira, presidente da Associação Pró Melhoramentos dos Moradores da Rocinha, teria escolhido um terceiro caminho. Pessoas de bem, ligadas a ações sociais na favela, sustentam que William lutava por investimentos sociais e também por “medidas de segurança que possam estabilizar a situação de forma duradoura”. São cidadãos de inegável boa-fé. É pena que não tenham detalhado essa política de segurança.

Infere-se que seria a busca de alguma forma de diálogo com a bandidagem sem cumplicidade. Não me perguntem como seria possível.

Segundo a polícia, que prendeu William e o acusa de ser cúmplice de Bem-Te-Vi, chefe local do tráfico, o líder comunitário trabalhava para os bandidos. Não como traficante ou soldado, mas como informante e prestador e serviços. Conseguir-lhes rádios, por exemplo, o que parece comprovado. Além disso, há conversas gravadas entre William e Bem-Te-Vi que sugerem relacionamento cordial. Pelo sabido até agora, não são provas arrasadoras. Reais, mas não mostram o líder comunitário como mais do que um prestador de pequenos serviços à bandidagem.

A razão principal da prisão de William parece ser o fato indiscutível desses contatos com o chefe do tráfico. Em tese, não deveria tê-los; na prática, aguarda-se que a polícia mostre concretamente que pode garantir a sobrevivência de um líder de honestos moradores de uma favela que seja abertamente hostil aos bandidos.

Não existe qualquer precedente nesse sentido. Como não existe exemplo de favela onde a paz seja garantida a longo prazo (por curtos períodos já aconteceu diversas vezes, o que é escasso consolo) pela presença policial.

E o forte empenho das pessoas de bem que defendem William ? diversas delas ligadas a ações sociais importantes na Rocinha -- certamente não é gratuito. À distância, duas especulações podem ser feitas: 1. William trabalhava pelo bem da comunidade e para poder fazê-lo pagava o preço de ligações perigosas com os bandidos da área. 2. A sua prisão e condenação por delitos que essas ligações implicavam não enfraquece o poder de Bem-Te-Vi na área.

Salvo aparecimento de fatos mais graves sugere-se mão leve na punição dos delitos comprovados. O problema é o depois: que garantia o poder público dará aos moradores da Rocinha de que sua vida continuará igual -- ou, quem sabe, vai melhorar ? sem alguém como William. E que certeza de sobrevivência terão líderes comunitários que não tenham algum nível de entendimento com os verdadeiros donos da área.

Nada do que aqui se diz significa condenação da ação policial em si. Mesmo que demonstre como é mais fácil prender um William do que engaiolar um Bem-Te-Vi.

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