Já há algum tempo andava estranho o ministro Nelson Jobim. De perfil comedido quando deputado, arguto o suficiente para em menos de duas décadas sair do escritório de advocacia em Santa Maria (RS) e chegar à presidência do Supremo Tribunal Federal, passando pelo ministério da Justiça e relatoria da revisão constitucional de 1993, Nelson Jobim não é de hoje vem chamando atenção em Brasília.
O cenário indicativo de uma opção preferencial de Jobim pela conduta nem sempre condizente com a majestade e a liturgia do cargo é composto por declarações fora de hora – e sobretudo de lugar –, posições politizadas, e ambições eleitorais não desmentidas.
Nada havia ocorrido, porém, de parecido com o episódio da defesa de aumento de salários para congressistas e magistrados, cujo clímax deu-se ontem, com o presidente do Supremo Tribunal Federal expondo-se a conchavos com a finalidade de aprovar reajustes via manobras regimentais, ao arrepio da opinião do público. Pagante, diga-se, já que falamos em dinheiro do Orçamento.
Tudo começou na semana passada, quando o ministro Nelson Jobim resolveu assumir parceria com o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, para forçar a aprovação da elevação dos proventos ao teto constitucional de R$ 21.500.
Ficou esquisita porque naquela altura a proposta estava visivelmente derrotada na sociedade e, por isso mesmo, impossível de ser aprovada no Parlamento.
O que deu em Jobim? A pergunta era recorrente na capital, onde os políticos, sentindo o clima da rejeição nacional ao aumento, já vestiam seus figurinos de vestais tratando de derrubar a proposta do reajuste antes que fossem derrubados por ela.
Natural teria sido o presidente do STF, advogado experiente, político, ex-ministro de Estado, perceber – e saber respeitar – a adversidade do ambiente.
Mas não, resolveu enfrentá-la, numa decisão que só a substituição do bom senso pela soberba pode explicar.
Aquela mesma onipotência que de quando em vez toma conta do presidente da República e lhe assopra aos ouvidos ditos de conseqüências terríveis.
Pois Nelson Jobim pareceu acometido de um desses demônios incentivadores da autofagia quando propôs ao presidente da Câmara juntarem-se ambos ao Senado e, por uma resolução administrativa das duas Casas, aumentar os salários sem o desconforto da votação pelo colegiado de “demagogos” tementes diante da reação popular.
Que Severino Cavalcanti e seus cento e alguma coisa eleitores amestrados (note-se a quase equivalência entre seus votos no primeiro turno da eleição há 20 dias e as assinaturas em favor do aumento) considerassem possível levar adiante o ardil, compreende-se. É próprio dos destreinados nas lides do poder confundirem-se no tocante a limites.
Em geral saem cometendo arbitrariedades e, não demora, perdem a autoridade.
Portanto, é normal que o chamado “baixo-clero” compre a enganosa tese de que para exercer o poder – e sobretudo usufrui-lo – basta conquistá-lo e sair fazendo uso de seus instrumentos. Surpreende é ver Nelson Jobim não apenas associado a esse tipo de raciocínio, como funcionando como patrono do movimento.
O presidente do STF, para salvar o aumento de seus pares no Judiciário, foi buscar a cumplicidade do Congresso lembrando ao presidente da Câmara a existência de um decreto ao qual seria possível recorrer para aprovar o reajuste sem consultar o colegiado.
O magistrado oferecia também a garantia de que o Supremo não derrubaria a decisão do Legislativo caso houvesse recurso judicial.
Custa a crer que as coisas tenham de fato se passado desse modo. Que o presidente do Supremo Tribunal Federal tenha proposto ao presidente da Câmara dos Deputados dar uma rasteira na opinião pública impondo um aumento amplamente rejeitado e ainda assegurando de antemão uma sentença na eventualidade de contestação.
Se realmente foi assim, Severino e Jobim trabalharam com duas preliminares: a indiferença ao público pagante e certeza de adesão silente dos beneficiários.
Não contavam com a esperteza de suas excelências, que sabem onde lhes doem os calcanhares. Preferiram dar por entregue agora os anéis a ver perdidas as respectivas cabeças em 2006. Recuaram até melhor oportunidade futura, enxergaram a tempo as fronteiras da insensatez e preferiram não ultrapassá-las.
O ministro Nelson Jobim, não: achou de ir em frente como quem tudo pode. Não conseguiu nada a não ser um enorme desgaste pessoal e, muito provavelmente, inviabilizar por uns bons tempos o aumento dos salários dos magistrados, pois ao Parlamento só interessa a operação conjunta.
E Jobim, que assumiu o STF com a aura de quem estaria devolvendo a estatura perdida à Corte, acabou voltando ao ponto de partida. Sua atuação na defesa casuística de um aumento despropositado em nada ficou devendo à performance de seu antecessor, Maurício Correa, na liderança de uma campanha em prol da manutenção de privilégios que levou a imagem do Judiciário ao chão em 2003.
Nenhum comentário:
Postar um comentário