Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, março 15, 2005

Folha de S.Paulo - Roberto Mangabeira Unger: Da inconformidade à esperança- 15/03/2005

De onde vem a vontade para entrar em lutas desiguais e para resistir a forças avassaladoras? Como é que a descrença, a desilusão, o desencanto e o cansaço que se vão acumulando por conta de reveses repetidos e de frustrações constantes cedem lugar à esperança e à vitalidade? De que maneira ocorre, de vez em quando na experiência de uma nação, que a política -longamente abandonada pelos melhores como deserto de idéias e de virtudes- de repente vire cenário de iniciativas surpreendentes e libertadoras? Precisa haver um trauma que sacuda as bases da vida de um povo ou de uma pessoa para que a mediocridade moral ceda lugar à aflição e para que a aflição estimule o engajamento e a reviravolta? Ou podem a imaginação e a inspiração dispensar a necessidade de trauma, fazendo o trabalho da crise sem que tenha de ocorrer crise?
São indagações que podem parecer inconseqüentes. Têm, entretanto, tudo a ver com esse momento em nossa história. Duas emoções hoje lutam dentro do espírito do brasileiro: resignar-se ou inconformar-se. Da resignação, travestida de realismo, resultam as baixas expectativas que beneficiam o governo atual. Baixa expectativa facilmente se confunde com apoio, quando na verdade produz aceitação apenas condicional: concedida só até aparecer opção melhor. Da inconformidade, constantemente reavivada pelos absurdos, pelas injustiças e pelas crueldades da vida cotidiana no Brasil, nasce indignação surda e oculta. Ela costuma perder-se em sentimento de impotência.
Não é preciso milagre para que o espírito de inconformidade, mantido em sombra e silêncio, se liberte da convicção da inutilidade de resistir e passe a comandar os fatos. Só é preciso que apareça um movimento que reúna alguns atributos essenciais. Deve ser formado por homens e mulheres que credenciem o ardor com o desprendimento. Não precisam ser santos ou heróis; basta que se respeitem e que se sintam possuídos pelo compromisso com uma tarefa. Deve desenvolver prática organizadora e esclarecedora, dentro e fora de partidos políticos, construindo a convergência dos inconformados que falta ao Brasil. Deve aproveitar o imenso potencial das novas tecnologias de comunicação. E deve apresentar idéia do rumo que se propõe ao país e dos próximos passos a tomar em direção a ela: medidas singelas, capazes de serem executadas com os instrumentos à mão, que nos permitam avançar na direção de assegurar primazia aos interesses do trabalho e da produção. E que ancorem, na democratização das oportunidades econômicas e educativas, a força motriz de novo ciclo de desenvolvimento brasileiro. Tudo apresentado em linguagem que seja ao mesmo tempo prática e profética.
Os brasileiros não buscam aventura. O que querem é alternativa -concebida com audácia, sem homenagear fórmulas ideológicas e com realismo, à luz das limitações, mas também das oportunidades do Brasil de hoje: caldeirão de energia desperdiçada. Ao primeiro sinal de estar surgindo movimento com essas características e de estar ele penetrando as brechas na muralha do sistema partidário e midiático, muitos começarão a prestar atenção. Em poucos meses, com as armas pacíficas da organização, da persuasão e do voto, põe-se a muralha abaixo.

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