Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, março 15, 2005

Folha de S.Paulo - ELIANE CANTANHÊDE: Conhecimento de causa - 15/03/2005

BRASÍLIA - Depois de 20 anos da sua indescritível posse na Presidência que seria de Tancredo Neves, José Sarney falou ontem no "Roda Viva" da TV Cultura de suas dificuldades, conquistas e derrotas. Duas delas:
1 - A moratória unilateral "foi um erro", admitiu, com todas as letras;
2 - "Hoje, se tivesse que optar entre cortar a mão e assinar o Cruzado 2, eu preferiria cortar a mão", disse ele sobre as medidas de fundo eleitoreiro que implodiram de vez o Plano Cruzado sem deixar nada no lugar.
O resultado de erros assim é bem conhecido: o governo conviveu com 12 mil greves e chegou ao fim com mais de 80% de inflação -ao mês!
O mea culpa é importante não apenas como depoimento à história mas também como lição ao governo Lula, que repete velhos erros, um a um. Bom exemplo, de atualidade indiscutível, é a reforma ministerial.
No governo Sarney, contavam-se saídas e entradas às dúzias, para juntar cacos dos partidos atrás do sonho de uma base sólida no Congresso. No governo Lula, a questão não é de quantidade, mas continua a crise da qualidade. O que menos interessa é a competência do "eleito".
Quanto à moratória: como o argentino Kirchner anda renegociando dívidas de forma heterodoxa com o FMI e com credores e está dando um chega-pra-lá em multinacionais instaladas no país, os parceiros de origem de Lula se coçam por gestos semelhantes. Mas nem tudo o que é bom para a Argentina é bom para o Brasil. Aliás, nem se sabe ainda o quanto é bom para a própria Argentina.
E, como Lula já começa a armar sofregamente a reeleição de 2006, tanto quanto Sarney lutou pelos cinco anos de mandato, é bom lembrar que esse tipo de ambição tem preço. Quanto mais ceder, mais caro fica. Flexibilizar, sim, mas que Lula não saia por aí sacando medidas mirabolantes e eleitoreiras na economia apenas para conquistar mais quatro anos.
Em vez de pensar no amanhã e no ano que vem, que pense sobretudo no que dirá daqui a 20 anos. E, especialmente, no que ouvirá da história.

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