Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, março 03, 2005

Folha de S.Paulo - LUÍS NASSIF: Engenharia da dívida- 03/03/2005

Há uma certa confusão conceitual na análise da renegociação da crise argentina.
A primeira é tratar a operação como calote. Calote dá quem pode pagar e não paga. Inadimplência e renegociação são atividades normais na análise de risco bancário. O próprio prêmio de risco pago pela Argentina trazia implícito o risco de "default".
A segunda é atribuir à renegociação a profunda queda do PIB argentino dois anos atrás. A crise foi conseqüência de um modelo irrealista de congelamento do câmbio.
O terceiro engano é considerar que a perda dos investidores corresponde ao deságio de partida.
Os bônus oferecidos precisam ser analisados não apenas em relação ao desconto inicial mas ao prazo e juros oferecidos. E precisam ser analisados em relação a um custo de oportunidade -isto é, a um investimento alternativo.
O bônus de desconto é um papel com 66,3% de deságio, mas com taxas de juros de 8,28% ao ano. O bônus "casi par" tem deságio de 30,1% e uma taxa de juros de 3,31% ao ano. O primeiro termina a amortização em 2024, o segundo, em 2036.
Tomando-se por base as taxas de juros norte-americanas, vamos comparar o investidor A, que aplicasse 100 em títulos norte-americanos, com o investidor B, que trocasse os 100 por um bônus de desconto, e o investidor C, que aplicasse em bônus ao par, ambos com os deságios previstos.
Se a taxa de longo prazo ficar em 3% ao ano, o investidor B sofrerá uma perda de 10,4% em relação à aplicação em títulos norte-americanos; e o C, uma perda de 8,03%.
Se a taxa de longo prazo de comparação for de 4% ao ano, a perda do investidor B será de 19.5%, e a do C, de 17,7%.
Pode-se alegar que os títulos americanos são mais seguros e, portanto, sua rentabilidade não pode ser equiparada ao novo título argentino. Pode-se alegar que não há garantias de que a Argentina consiga pagar os bônus até o final.
Mas não se está falando em operação normal de mercado, mas em uma renegociação forçada pelas circunstâncias, de um país que quebrou. E o próprio fato de a Argentina apresentar uma proposta para sair do "default" é prova de boa vontade que não pode ser ignorada.
A grande questão, que um dia terá que ser mais bem analisada pelo direito internacional, é dos grandes bancos que sugaram o país até o último momento, tinham noção exata da iminência da quebra do país e empurraram os títulos para pequenos investidores, desavisados. Esse é o nó. Não se tenha dúvida de que as associações de investidores em breve voltarão suas baterias contra os grandes bancos que as fizeram micar com os títulos argentinos.

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