Entrevista:O Estado inteligente
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quinta-feira, março 03, 2005
Jornal O Globo - Acordo reaberto Miriam Leitão
Depois de mais de 20 anos, está sendo renegociado o acordo de Itaipu com a Argentina. Brasil e Paraguai estão querendo mais liberdade na operação da usina binacional. Se a negociação der certo, a hidrelétrica poderá usar livremente as duas novas turbinas que está instalando e terá, além disso, um aumento de 8% na capacidade de produção, como se fosse uma turbina e meia a mais na geração. O acordo tripartite mobilizou a diplomacia brasileira há 25 anos.
O acordo tripartite, que consumiu vários anos de negociação, acabou acertando limites muito rígidos para o funcionamento da Hidrelétrica de Itaipu, porque, naquela época, era preciso provar para a Argentina que Itaipu não era uma bomba hidráulica, como eles temiam. Eles achavam que Itaipu provocaria inundações em cidades argentinas.
O acordo negociado durante o governo Figueiredo, com a paciência e a persistência do ministro Ramiro Saraiva Guerreiro, tornou possível a operação da usina de Itaipu. Mas, para acalmar os temores argentinos, foi preciso estabelecer limites muito rígidos de operação, que desceram a detalhes como a velocidade das águas do rio e a oscilação do nível das águas.
Duas novas turbinas, que devem ser inauguradas em setembro e novembro deste ano, estão sendo instaladas em Itaipu. Pelos termos do acordo, a usina teria, no máximo, 18 turbinas. Como há sempre uma ou duas em manutenção regular, as duas novas turbinas vão, teoricamente, permitir um manejo melhor da potência instalada.
Mas o fato é que Brasil e Paraguai só poderão operar as 20 turbinas ao mesmo tempo, que atingem 14 mil megawatts de potência, se a Argentina concordar nas negociações que estão sendo travadas neste momento. Um dos participantes das conversas, no entanto, disse que o clima de entendimento já se instalou, o que deve levar a uma conclusão positiva da negociação até o fim do ano.
O uso compartilhado dos rios da Bacia do Prata sempre foi um ponto de discórdia — e também de união, quando dá certo — entre os países do cone sul. No fim dos anos 70 e começo dos 80, a hostilidade e desconfiança entre o Brasil e a Argentina estava no ponto máximo. Militares de um lado e de outro da fronteira temiam que estivessem sendo preparadas bombas atômicas. Naquele ambiente é que o Brasil, junto com o Paraguai, começou a construir no Rio Paraná a maior usina hidrelétrica do mundo. Os argentinos declararam que aquilo funcionaria como uma arma, uma bomba hidráulica.
A solução daquele nó foi uma construção lenta da diplomacia. Como jornalista, eu acompanhei todo o trabalho de tessitura que a diplomacia brasileira fez. Quando foi assinado o acordo, não apenas foi possível o funcionamento da usina hidrelétrica, como todo o entendimento que se seguiu entre os países da região. Certamente não haveria Mercosul sem a remoção daquele obstáculo. Mas, para tranqüilizar a Argentina, tudo foi posto no papel, bem explicadinho.
A velocidade superficial da água não pode ultrapassar dois metros por segundo, ou seja, o fluxo da água que a usina larga no Rio Paraná tem que ser controlado para que a velocidade não ultrapasse esse limite. A variação do nível da água tem que ser, no máximo, 0,5 metro por hora. Brasil e Paraguai querem passar para 1 metro. Durante o dia, a variação do nível de água só pode ser de 2 metros. Brasil e Paraguai querem que passe para 3 metros. E o mais importante: querem poder usar as 20 turbinas ao mesmo tempo quando necessário.
O que os 20 anos de operação de Itaipu mostram é que é muito difícil respeitar esses limites, porque existem nas bacias acima no Brasil, em águas que deságuam no rio usado por Itaipu, um total de 44 usinas hidrelétricas. Além disso, em casos de cheias, enchentes, a operação fica ainda mais difícil.
Por outro lado também, ficou provado que elevações do nível de fluxo de água não ameaçam a Argentina. Eram medos infundados de uma época muito diferente da atual, quando militares dos dois lados viviam fantasias de uma guerrinha fria.
Foram feitas três reuniões até o momento entre os três países: a primeira em outubro do ano passado em Buenos Aires. Duas outras em Foz do Iguaçu; uma na semana passada. E quem esteve presente diz que os entendimentos foram muito bons. Contudo, para os diplomatas, esse assunto sempre foi considerado delicado. O temor que se tem é que a divulgação de notícias sobre o tema possa atrapalhar as negociações.
Se tudo der certo, Itaipu poderá ter um acréscimo de 8% na energia produzida, o que equivale a uma turbina e meia, além de poder operar as 20 turbinas ao mesmo tempo. Isso aumentaria ainda mais a produção efetiva de Itaipu, que ainda hoje é a maior do mundo. Três Gargantas, na China, terá 18 mil megawatts de potência instalada contra os 14 mil que Itaipu terá no fim de 2005, mas a produção efetiva da hidrelétrica chinesa é menor do que a nossa.
A longa e complexa negociação de Itaipu acabou virando livro. Histórias estão contadas tanto no livro de Saraiva Guerreiro, “Lembranças de um empregado do Itamaraty”, quanto no do então embaixador argentino no Brasil, Oscar Camillion, e no do engenheiro paraguaio Enzo Debernardi, que foi presidente de Itaipu. O que acontece agora é um novo capítulo de uma velha novela.
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