O desastrado discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, acerca de denúncias de corrupção nas privatizações do período Fernando Henrique Cardoso, abre a possibilidade de uma reflexão sobre esse tema. Não vou entrar em detalhes e alimentar fofocas, mas aproveitar o interesse do leitor para ser mais profundo. Vamos olhar as privatizações sob três aspectos: o da legalidade dos atos do governo; o de sua legitimidade; o de sua oportunidade.
Elas foram realizadas sob intenso bombardeio político. Como resultado da mobilização de parte importante da elite petista, houve uma intensa batalha jurídica, liderada por juristas de esquerda e sindicatos, para barrar as privatizações. Essa disputa deu-se desde os tribunais de primeira instância até o plenário do Supremo Tribunal Federal. Passar por maior crivo legal que as privatizações passaram, impossível.
Na privatização do Sistema Telebrás, os opositores desse programa ganharam um novo campo de batalha com a divulgação do "grampo telefônico" no BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Passaram a atacar não mais as privatizações em si mas o papel dessa instituição na promoção da competição nos leilões. A palavra de ordem, que partiu dos juristas da então oposição, foi a de que a impessoalidade do leilão havia sido quebrada.
Mais uma onda de ações legais contra as privatizações ocorreu, então. Chamado a investigar, o TCU (Tribunal de Contas da União) promoveu intensa auditoria nas normas e procedimentos adotados pelo BNDES e pelo Ministério das Comunicações. O resultado desse processo de avaliação foi uma decisão unânime: todos os procedimentos e normas haviam sido realizados dentro da legalidade. O princípio de impessoalidade não havia sido quebrado nos editais dos leilões, e a ação do BNDES respondia ao preceito constitucional da economicidade, isto é, da obrigação do administrador público de buscar o valor mais alto para a venda de um ativo público.
Uma segunda questão é a da legitimidade do programa de privatização. O presidente Fernando Henrique Cardoso foi eleito, em primeiro turno, pela maioria do eleitorado brasileiro. Conseguiu-o prometendo, entre outras coisas, modernizar o Estado brasileiro, que ainda tinha as cores do modelo "getulista" de décadas passadas. Portanto a decisão de seu governo, de aprofundar e levar para os Estados da Federação o chamado Programa Nacional de Privatização, era totalmente legítima e não pode ser questionada, por procuradores e opositores do presidente. Afinal, vivemos em um regime republicano, e a mudança de valores, de um governo para o outro, não pode ser razão para uma verdadeira "caça as bruxas", como estamos vendo hoje.
Da mesma forma, um eventual Programa Nacional de Re-Estatização do governo Lula seria também legítimo. Afinal, o presidente eleito em 2002 sempre foi contra as privatizações e favorável à empresa estatal.
Um terceiro aspecto que merece ser destacado nas privatizações realizadas é o da sua oportunidade. Como se tratava de venda de ativos, com preços fixados pelo mercado, era necessário que esse processo de alienação fosse realizado em dias de euforia. Era o que acontecia entre 1996 e 1998. Esse verdadeiro boom que ocorria fez com que o valor de venda das estatais superasse, em muito, cifras razoáveis. Aos preços de hoje, a maioria das empresas privatizadas não conseguiria chegar aos preços obtidos entre 1996 e 1998.
Tomemos o exemplo da Eletropaulo, vendida, em abril de 1998, por pouco mais de R$ 2 bilhões. Se, em vez de pagar ao governo federal, o Estado de São Paulo tivesse aplicado esse dinheiro em um título, rendendo correção do IGP mais 6% de juros anuais, ele teria, hoje, um valor igual a R$ 6.890.890.000,00, equivalente a US$ 2.600.000.000,00. Com esses recursos, ele poderia recomprar o controle acionário da Eletropaulo -cerca de US$ 600 milhões a preços de mercado de hoje- e voltar a ter em caixa os mesmos US$ 2 bilhões arrecadados em 1998. Mágica? Não, apenas as oscilações malucas dos mercados financeiros globais. Afinal, a venda da Eletropaulo foi um bom negócio ou não? Você pode responder.
Entrevista:O Estado inteligente
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