Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, março 03, 2005

FOLHA DE S.PAULO A cidade que educa se educa JOSÉ ARISTODEMO PINOTTI



Educação é absorção da cultura como modo de vida e como acréscimo de conhecimentos úteis e ilustrativos; é a formação do cidadão ético, útil e feliz. Pelas nossas leis, é obrigação do governo, por meio das escolas. Entretanto, histórica e antropologicamente, tem sido tarefa da tribo, da sociedade e também da escola. O governo é o agente catalisador. Se não assumirmos visão mais holística no objetivo e mais moderna e conjuntural na estratégia, continuaremos a derrapar na monótona precariedade dos resultados demonstrados nas avaliações do Saeb (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica) e do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos) .


Venceremos os obstáculos e iniciaremos uma tendência sustentável de melhora da educação na cidade de São Paulo


No município de São Paulo, deparamos com diversos problemas emergenciais: CEUs sem pagamento de limpeza, manutenção e segurança desde julho, em contratos que gastam só para esses itens, em cada CEU, o absurdo de R$ 2,5 milhões por ano; substituição das escolas metálicas com cronograma atrasado e obras paradas por falta de pagamento, desde setembro de 2004, de contratos firmados em agosto; relacionamento com as 31 subprefeituras equivocado, fracionando a política educacional, multiplicando as coordenadorias e inchando-as com 1.287 professores e funcionários provenientes das escolas, deixando salas de aula sem professores e inviabilizando a descentralização administrativa para as escolas e a unidade do sistema de educação; creches, perueiros e merenda sem pagamento, ameaçando paralisação; risco de apagão, por falta de pagamento das contas de luz; dezenas de projetos em andamento, sem ligação entre si, com contratos externos difíceis de entender (um deles de R$ 21 milhões anuais para o "portal" da secretaria).
Todas essas questões estão sendo solucionadas. Conseguimos cumprir o "recreio nas férias" e iniciar as aulas com tranqüilidade. Os contratos estão sendo auditados e as mudanças administrativas operadas.
Os problemas principais voltam a ser a demanda reprimida no ensino infantil, o resultado precário do ensino fundamental e a dolorosa constatação de que as soluções convencionais aplicadas até agora não surtiram os resultados desejados, em que pese o esforço e a boa intenção dos professores, pensadores e dirigentes da educação.
Na verdade, nossos maiores empecilhos são a pobreza na qual a maioria das nossas crianças está imersa, com todas as suas conseqüências, e as dificuldades causadas pela burocracia e um entendimento às vezes equivocado e conservador do corporativismo e de certas normas e teorias. Na impossibilidade de fazer o ótimo, acaba-se não fazendo o bom, que seguramente é melhor do que não fazer nada. Soma-se a isso um descrédito orquestrado por tudo o que é público, associado à tentativa de privatizar até as políticas públicas essenciais.
Isso tudo pode ser superado com uma administração moderna e eficiente, que tenha a participação da sociedade e do empresariado, como já começa a ocorrer concretamente, para colocar em andamento uma política educacional que aponte para a universalização do ensino infantil e que melhore a qualidade do ensino fundamental, com projetos viáveis. São exemplos o aprimoramento continuado das escolas, incluindo a estrutura e a aparência física, dando-lhes cada vez mais autonomia e integrando-as com a comunidade; e a educação continuada dos professores, baseada nos problemas da escola -com instrumentos de ensino à distância e presencial e envolvimento prioritário dos diretores-, dando-lhe um caráter mais acadêmico e construtivo, avaliando continuamente seu produto final e premiando as melhoras obtidas.
Estamos ultimando um projeto, que nos será doado pela Fundação Lehman, nessa direção. Mas há também projetos ousados, como o de educação para a saúde das crianças nas escolas e o de ampliar o espaço e tempo educacionais, limitados à cidadela pedagógica das unidades escolares, inserindo-os na riqueza cultural e empresarial da cidade, usando para isso o amplo e mal utilizado tempo do pós-escola.
Serão necessários arrojo e organização, mas estão aí os museus, teatros, clubes, parques ecológicos e tantíssimos outros, com maior ou menor ociosidade, e, o que é mais importante, disposição e condições pedagógicas para colaborar. Apesar dessas possibilidades, nossas crianças, provenientes de bairros e famílias pobres, têm apenas (e se tanto) quatro horas de aula, pois 70% das escolas têm três turnos diários, sem usufruir das ricas oportunidades da cidade. Os jovens, por serem descompromissados, são um forte elemento de controle social. É de Paulo Freire a frase "a cidade se converte em educadora a partir da necessidade de educar, de aprender, de imaginar... Sendo educadora, a cidade é, por sua vez, educada".
Com uma visão socialmente comprometida, participação da sociedade civil e administração ágil e moderna, com os bons professores que temos, parceria com o governo do Estado, estímulo, apoio, visão moderna e cobrança diária do prefeito José Serra, e muito trabalho, venceremos os obstáculos e iniciaremos uma tendência sustentável de melhora da educação na cidade de São Paulo.


José Aristodemo Pinotti, 70, professor titular de ginecologia da USP, é o secretário de Educação do município de São Paulo. Foi secretário da Educação (1986-1987) e da Saúde (1987-1991) do Estado de São Paulo e reitor da Unicamp (1982-1986).
j.a.pinotti@prefeitura.sp.gov.br

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