Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, fevereiro 11, 2005

Jornal O Globo - Miriam Leitão Passos atrás

A política educacional involuiu no Brasil nos últimos dois anos, a reforma universitária tenta tutelar a escola privada, o ensino médio triplicou em dez anos sem ter qualquer projeto, o governo não dá a atenção devida ao mais importante: o primeiro ano do básico, no qual “começa o desastre”. Essa é a visão do professor Claudio de Moura Castro.
Na entrevista que me concedeu na Globonews, o professor fez duras críticas à reforma universitária:


— Se nenhuma universidade importante do mundo tem um sistema como esse, cabe ao governo provar que uma coisa assim pode dar certo, é viável.

Ele é diretor do Sistema Pitágoras, mas não é esta a origem da crítica. Entende do assunto: tem um imenso e coerente currículo de economista que já trabalhou como professor aqui e no exterior; já foi consultor para assuntos educacionais no BID e no Banco Mundial e tem sido, ao longo das décadas, um interlocutor relevante quando o tema do debate é educação. Portanto, ele e tantos outros pensadores de diversas áreas que têm criticado o projeto deveriam ser ouvidos pelo governo. A lista dos defeitos apontados na reforma universitária é longa e assustadora.

— A tutela é o mais perigoso. Aqueles comitês, conselhos e votos diretos, a presença de pessoas não escolhidas pela instituição deixam uma dúvida: quem é o responsável se der errado?

Quando perguntei quem seriam os representantes da sociedade que estariam presentes nas instituições de ensino, Claudio de Moura Castro respondeu:

— Sei lá, o próprio ministro sugeriu o MST.

O professor discorda também das mudanças do provão.

— Perdeu-se um instrumento de navegação que os alunos tinham para escolher. O provão passou a ser por amostragem e agora é mais vulnerável à manipulação. Uma escola inescrupulosa pode mandar apenas os melhores alunos e ninguém vai conseguir detectar a fraude. A partir do momento em que ter um programa numa favela conta ponto na avaliação, uma escola pode querer ter um programinha, mesmo que não funcione, para ter ponto.

Antes, o provão produzia uma nota para cada curso das áreas avaliadas. Todos os alunos dessas áreas eram submetidos a uma prova redigida por outro professores, a maioria proveniente das universidades públicas. Quem ficava nos 12% superiores tirava o conceito A, quem ficava nos 12% mais baixos tirava E e os outros se dividiam em B, C e D. Agora, o provão é menos freqüente, é por amostragem e tem ainda uma novidade:

— Uma prova é feita no primeiro ano, o que é uma total perda de esforço porque já existe o Enem. O governo quer economizar fazendo por amostragem e depois faz uma prova desnecessária que não leva a lugar algum.

Moura Castro lembra também que uma instituição agora pode ficar anos sem estar na amostragem e portanto permanecer com uma nota que já não reflita a realidade do curso. Com o instrumento de navegação, agora perdido, o aluno fiscalizava o mercado:

— Um ponto acima na classificação levava para o curso 10% a mais de candidatos, um ponto perdido tirava 40% de candidatos daquele curso.

O efeito de um sistema assim é óbvio: fazia as escolas privadas se esforçarem pela melhor nota, aumentando a qualidade dos cursos. Quem perdia qualidade perdia mercado. O sistema de avaliação, que era mais simples e transparente, ficou opaco e pesado, segundo o professor, e não incorpora “o que aprendemos para blindar o sistema contra a tapeação”.

O professor Claudio de Moura Castro gosta do Pro-Uni, acha que os defeitos podem vir a ser corrigidos com o tempo e desaprova a política de cotas. O Pro-Uni, acredita, é a troca de vagas para pobres por renúncia fiscal. Isso é bom, mas é ruim por desviar para o ensino superior a atenção que deveria estar toda concentrada no fundamental. As cotas teriam, na opinião dele, o mesmo defeito, com o agravante de serem “uma solução ruim, quando existe uma boa solução disponível na Unicamp, com um sistema de bônus de premiação”.

Moura Castro defende também o aumento do grau de autonomia universitária que a reforma oferece às escolas públicas, mas diz que mesmo isso é ilusório. Elas terão autonomia em algumas questões, mas continuarão presas às leis da isonomia salarial e a várias outras normas de Brasília. Além disso, ele conta que os departamentos que conseguirem captar recursos no mercado terão que mandar todo o dinheiro para “o murundu da reitoria”.

Há outros defeitos não enfrentados como a relação professor/aluno nas universidades públicas:

— Há cursos em que há mais professor que aluno. No Brasil, a relação é de 11 alunos para cada professor nas universidades públicas. A mesma relação é de 90 alunos para um professor na Alemanha. Quem é rico nessa história?

Com a reforma, as universidades federais terão um aumento de 30% nos recursos, porque os inativos passam a ser responsabilidade da União.

— Isto é bom, mas, do ponto de vista de todo o sistema educacional, é injusto. A grande crise do ensino brasileiro é o primeiro ano do básico, que é o ponto onde começa todo o desastre. O ensino médio triplicou em dez anos sem que houvesse projeto de nenhuma secretaria. Cresceu pela pressão dos alunos e pais. Continua sem projeto curricular, sendo feito para atender ao vestibular. O aluno é atropelado por uma avalanche de coisas e não consegue aprender, principalmente, não aprende a pensar.

Quando perguntei, para encerrar, a opinião dele sobre a educação no governo Lula, o professor respondeu:

— Infelizmente acho que houve uma involução.

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