FOLHA DE S. PAULO
A despolitização dilui divergências e converte o processo eleitoral em geleia
Pela sexta vez consecutiva, fato único na nossa história, teremos a escolha do presidente da República através de eleições plenamente democráticas. Não é pouco, principalmente em um país com a nossa tradição autoritária.
Se na eleição de 1989, os candidatos politizavam qualquer proposição, por mais simples que fosse, agora a despolitização é uma marca da campanha. Depois de cinco eleições, o processo eleitoral ficou mais pobre em debates e ideias.
É possível que, em parte, este panorama justifique-se pela predominância do marketing político e da americanização das eleições. As pesquisas qualitativas são mais importantes, para os candidatos, do que a política stricto sensu.
O enfrentamento ideológico foi substituído pelas propostas de gerir uma casa, como se o espaço doméstico fosse a reprodução em miniatura do país. O linguajado familiar invadiu a política. Pai, mãe e filhos substituíram os temas clássicos, o que é um claro sinal de pauperização do debate político.
O PT é um bom exemplo. Desapareceu -e tudo indica para nunca mais voltar- o discurso classista ou ao menos de embate com os poderosos. Foi substituído por elementos pré-varguistas.
O vocabulário da casa grande, autoritário e coercitivo, tomou conta dos seus dirigentes. E, claro, Lula foi o iniciador e maior defensor da despolitização. Como nunca suportou participar de uma discussão de princípios políticos, encontrou na fala despolitizada um campo fértil. Exemplificou dilemas do país com exemplos domésticos, comezinhos.
Quanto mais complexa uma questão, maior a banalização. Daí foi só um passo para fortalecer a ideia de que o povo precisa de um pai, de uma mãe: "Deixo em tuas mãos o meu povo", como diz o jingle.
A despolitização tem o papel de eliminar as fronteiras ideológicas. Dilui as divergências, homogeneíza e transforma o processo eleitoral em uma espécie de geleia geral. Tudo parece igual. Por isso, Roseana Sarney pode vestir a camiseta do PT e o irmão uma do PV, sem que nenhum dos dois deixe de defender o interesse familiar, que apresa o Estado mais pobre do Brasil.
A oposição não conseguiu -e teve várias oportunidades- para construir um discurso político, alçando o debate a outro patamar. Contudo, optou pelo conformismo. No fundo, admirou a despolitização. Tudo parecia tão simples. Neste trágico percurso, Lula, entusiasmado, quis levar o "método" para o mundo. Foi um desastre, como no Oriente Médio. O lulismo, como forma de fazer política, só dá no Brasil, como a jabuticaba.
Marco Antonio Villa é professor do Departamento de Ciências Sociais da UFSCar
Entrevista:O Estado inteligente
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