O Estado de S.Paulo - 21/08/10
Meu filho de 15 anos estuda numa escola cara, bem considerada, onde estudam os filhos da nata da sociedade, empresários, artistas, intelectuais da zona sul carioca. Mas acredito que o que vou relatar seja o retrato de algo mais generalizado e que mostra o tipo de (falta de) educação que nossa elite está dando a seus filhos - de impunidade, hedonismo e falta total de valores e limites. E depois ficamos perplexos com brigas mortais, atropelamentos, pegas, acidentes fatais, overdoses, comas alcoólicos e nos perguntamos: como pôde acontecer?
Para poupar o meu filho e não identificar os jovens que são objeto deste artigo, tenho de escrever sob pseudônimo. Tenho a certeza de que alguns pais saberão do que falo por terem experimentado algo similar ao que passei ou por desconfiarem do que fazem seus filhos quando estão em suas festas e "sociais".
Moro numa casa bonita, bem decorada, num lugar aprazível. Apesar da vida profissional exigente, sempre me preocupei em criar meus três filhos mantendo uma presença constante e exigindo deles comportamento exemplar, fundamentado em valores e princípios éticos e morais universais. Não só pelo exemplo, como pela educação que dei e procurei em escolas, eles nunca me decepcionaram. A adolescência, fase em que meu temporão se encontra, não é fácil para ninguém. Além dos hormônios em atividade radical, as obrigações com os estudos e a vida familiar - no caso de meus filhos, diariamente lembradas e exigidas por mim -, entram em conflito com convites e pressões de colegas, levando a alguns comportamentos mais confrontadores, a disputas por liberdade, naturais em quem está crescendo e encaradas por mim com abertura, tolerância, mas sem me esquecer da imposição de claros limites.
Eis o que se passou.
Um ano após experiência traumática em minha casa, quando ofereci uma festa para 150 jovens, algo ainda mais sério aconteceu. O trauma foi pelo fato de que muitos dos convidados chegaram já bêbados, trazendo, escondidas na roupa, garrafas de vodca, causando uma situação que nunca poderia esperar numa festa de 14 anos! Embora os seguranças e garçons tenham confiscado algumas garrafas, outras passaram. E, apesar de terem reprimido, volta e meia o cheiro de maconha subia. Encerrei a festa mais cedo. Saldo: lixo espalhado por todos os cantos, pias e privadas entupidas por vômito, objetos destruídos. Chocante! Foi minha primeira experiência concreta com essa juventude criada sem limites, que tem tornado a vida de profissionais que com ela lidam, como professores e empregados domésticos, um verdadeiro inferno.
Na ocasião, meu filho compreendeu que eu vetasse qualquer nova festa em casa. Um ano depois, no entanto, uma amiga próxima o convenceu (e ele a mim) a oferecer a casa para uma "social" com 15 pessoas. Mesmo convalescente de uma doença séria, aceitei aquele número de colegas para um papo, com som baixo e bom comportamento prometidos. Tive de fazer uma visita emergencial ao médico naquela noite de sexta-feira. Na volta, meu filho estava nervoso: a coisa tinha saído de controle e mais de 40 jovens haviam entrado. Minha irmã e os empregados que me substituíram estavam também assustados. Meu filho explicou-me que a tal "amiga" havia convidado as pessoas sem o seu conhecimento e muitas delas ele nem conhecia. O que eu conversei com ele depois, para que entendesse o tamanho de sua responsabilidade, foi duríssimo, porém muito mais duro foi ele ter de lidar com a imensa decepção de ter sido usado e manipulado pela menina e de ter de romper com várias pessoas que considerava amigas. Mas o que interessa são os fatos: o encontro começou às 21h30 e eu cheguei às 23 horas. Nesse pequeno espaço de tempo, o que esses jovens fizeram em minha casa é inimaginável num jardim zoológico. Após a primeira tentativa fracassada de meu filho, dizendo que a reunião tinha de acabar porque a mãe estava muito doente, resolvi intervir. Disse a mesma coisa em voz alta para todos, pedindo que se fossem. Foi a mesma coisa que nada. Aos poucos fui percebendo o nível de destruição e de lixo. Mesmo recém-saída de uma cirurgia no coração, fui ficando alterada, a bagunça continuava inalterada, até que expulsei todos de casa aos berros. Mas eles não se intimidaram. Continuaram no portão de minha casa, numa atitude de afronta, fazendo uma tremenda algazarra, apesar dos protestos em nome de minha condição extrema de saúde. Isso durou até à 1 hora. Quando tudo parecia mais calmo, e enquanto esperava pela chegada de meu ex-marido e pai de meus filhos, notei que a porta do quarto do meu filho estava trancada. Bati e nada. Chamei-o e começamos a insistir para que quem quer que estivesse lá abrisse a porta. Eu gritei e os jovens se assustaram. A porta do quarto, que ainda estava no escuro, abriu-se. Era a tal "amiga", ainda se ajeitando. O rapaz estava sentado na cama desfeita, calçando os sapatos.
Enquanto meu ex-marido esperava que todos se fossem, do lado de fora da casa eu, meu filho e um amigo, chocados, contabilizávamos o estrago: do salão onde a maior bagunça tinha ocorrido tiramos dois sacos grandes de lixo que estava espalhado por todos os cantos, os móveis e o chão estavam encharcados, pisoteados, imundos. Brinquedos de meu neto foram jogados nos canteiros do jardim. Na sala de estar, um quadro a óleo apresentava duas mossas, além de uma escultura de vidro ter sido quebrada (com um soco proposital, vim a saber).
Apenas pais vieram resgatar seus filhos, querendo saber o que havia acontecido para que eles estivessem na rua. Meu ex-marido respondeu: "Pergunte a eles." O que terão eles contado aos pais? E os outros, que saíram sozinhos por aí, pegaram táxis, foram para outros lugares? E você? Sabe o que seu filho anda fazendo por aí?
EMPRESÁRIA
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