O GLOBO - 19/08/10
Há algum tempo, em visita ao Brasil, um diretor do Ministério da Educação da China alinhava as razões pelas quais seu país logo seria a segunda potência econômica do mundo. Além dos motivos clássicos - rápido crescimento, elevado nível de poupança e investimento, muita pesquisa em novas tecnologias, escola de qualidade - acrescentou um que chamou a atenção: na China, dizia, com orgulho, há 300 milhões de jovens estudando inglês, bom inglês. E isso é igual à população dos Estados Unidos, onde nem todo mundo fala inglês, acrescentava, com satisfeita ironia.
Quantos jovens estudam inglês a sério no Brasil? E quantos nas escolas públicas? Em compensação, nos últimos três anos, conforme leis aprovadas no Congresso, os alunos do ensino básico brasileiro passaram a ter aulas de filosofia, sociologia, artes, música, cultura afro-brasileira e indígena, direitos das crianças, adolescentes e idosos, educação para o trânsito e meio ambiente.
Como não aumentaram o número de horas/aula nem o número de dias letivos, é óbvio que o novo currículo reduz as horas dedicadas a essas coisas banais como português, matemática e ciências.
Vamos falar francamente: isto não tem o menor sentido. É um sinal eloquente de como estão erradas as agendas brasileiras.
Dirão: mas nossas escolas precisam formar cidadãos conscientes, não apenas bons alunos.
Está bem. Então vai aqui a sugestão: dedicar os sábados e talvez algumas manhãs de domingo para essa formação. Não há melhor maneira de conhecer a cultura indígena do que visitar aldeias, aos sábados, um passeio educativo. Artes plásticas? Nos museus e nas oficinas. Música? Que tal orquestras e bandas que ensaiariam aos sábados ou durante a semana depois das aulas? Meio ambiente? Visitas às florestas e parques. Consciência de trânsito? Um sábado acompanhando os funcionários pelas cidades.
E assim por diante. Como aliás se faz nos países asiáticos, conhecidos pela qualidade de seu ensino. Mas é mais complicado, exige organização, um pouco mais de dinheiro, mais trabalho, especialmente nos fins de semana, e professores e instrutores mais qualificados e entusiasmados com as funções, obviamente com boa remuneração.
Em vez disso, determina-se a inclusão de algumas aulas no currículo e está completa a enganação: ninguém vai aprender a sério nenhuma dessas "disciplinas do cidadão", assim como a maioria não aprende a contento português, matemática e ciências.
Inglês então, nem se fala, porque aí tem um componente ideológico. É a língua do imperialismo. (Embora seja provável que dentro em pouco seja a língua do imperialismo chinês).
Mas reparem que, quando se trata de estudar mesmo, nem essa ideologia esquerdo-latina ajuda. Diz o pessoal: como estudar inglês se somos todos latino-americanos, bolivarianos e amamos Chávez? Vai daí que vamos ensinar o espanhol a sério? Já seria uma grande ajuda, mas esquece.
Até já se disse que o espanhol seria obrigatório, mas não vingou. Talvez porque o espanhol seja a língua dos colonizadores? Não se espantem se alguma emenda mandar que todos aqui estudem as línguas dos índios.
A sério: todos os testes, nacionais e internacionais, mostram que nossos alunos vão mal em português, matemática e ciências. Todos os estudos mostram que isso cria um enorme problema para as pessoas e para o país. Para as pessoas, porque não conseguem emprego numa economia da era do conhecimento. E para o país, porque, com uma mão de obra não qualificada, perde a batalha crucial dos nossos dias, a da produtividade tecnológica.
Reparem: isso é sabido, provado e demonstrado. E fica por isso mesmo.
Por isso mesmo, não. Tiram tempo de português para incluir uma rápida enganação de cultura afro.
A agenda equivocada atravessa todo o ensino brasileiro. Nada contra as ciências sociais e as artes, mas, responda sinceramente, caro leitor, cara leitora, é normal, é razoável que a PUC-Rio tenha formado, no ano passado, 27 bacharéis em cinema, três físicos e dois matemáticos? É normal que, em 2008, as faculdades de todo o Brasil tenham formado 1.114 físicos, 1.972 matemáticos e 2.066 modistas? Como comentou o cineasta e humanista João Moreira Salles, em evento recente da Rádio CBN, nem Hollywood tem emprego para tantos cineastas quanto os que são formados por aqui. E sobre 128 cursos superiores de moda no Brasil: "Alimento o pesadelo de que, em alguns anos, os aviões não decolarão, mas todos nós seremos muito elegantes." Duvido. As escolas de moda precisariam ser eficientes, o que está longe da realidade.
Na verdade, há aqui uma perversidade sem tamanho. As pessoas das classes mais pobres e os pais que não estudaram já estão convencidos que seus filhos não vão longe sem estudo.
Tiram isso, com sabedoria, de sua própria experiência. E fazem um sacrifício danado para colocar os filhos nas escolas e levá-los até a faculdade, particular, paga, na maior parte dos casos.
Quando conseguem, topam com a perversidade: os rapazes e as moças pegam o diploma superior, mas não estão prontos para o trabalho qualificado.
Com o diploma, caro, guardado em casa, fazem concurso para gari, por exemplo.
Uma injustiça com as famílias pobres, um custo enorme para o país e a desmoralização do estudo.
Se tivessem planejado algo para atrasar o país, não teriam conseguido tanto êxito.
*Carlos Alberto Sardenberg é jornalista.
Entrevista:O Estado inteligente
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