O GLOBO - 26/08/10
Baixo saneamento tem a ver com saúde e meio ambiente. Aumenta a incidência de doenças e a deterioração ambiental urbana. Dados do IBGE mostram que oito anos de governo Lula não reduziram a calamidade dos indicadores. José Serra, candidato da saúde; Marina Silva, da sustentabilidade, falam pouco do assunto e lutam para sair na foto ao lado de Lula.
O mais relevante numa eleição da perspectiva de um candidato é, evidentemente, ganhar a eleição.
Mas da perspectiva do eleitor, o melhor é que se aproveite o momento para discutir os problemas e tirar dos candidatos compromissos para superálos.
A oposição tem a obrigação de falar tudo o que não está funcionando, apontar o dedo para todas as feridas. Para isso é oposição.
Esse debate influenciará as políticas públicas independentemente de quem for eleito. Se a oposição se amedronta com os índices de popularidade do governante e não pode fazer seu papel, o país é que sai prejudicado.
Marina Silva, nas brigas dentro do governo por políticas públicas de proteção ambiental, encontrou uma sistemática e implacável adversária: Dilma Rousseff. Foi a ex-ministra das Minas e Energia e exchefe da Casa Civil que disse não a projetos de sustentabilidade, afastou Marina das decisões de projetos na Amazônia, engavetou a criação de áreas de proteção, revogou conquistas na luta pelo equilíbrio entre desenvolvimento e meio ambiente.
Marina sabe disso. Sabe porque viveu. No dia do lançamento do primeiro PAC, enquanto o laser pointer de Dilma Rousseff cortava a Amazônia sem cerimônia, Marina se encolhia derrotada, longe do palco e perto da saída do governo. Mas até agora não disse isso ao eleitor.
Não contou o que sabe e viveu. Não mostrou o risco para o meio ambiente que representa a vitória das ideias defendidas pela sua adversária. Se for resumir tudo o que ela disse nas entrevistas, debates e programa eleitoral não se consegue saber exatamente o que a fez sair do governo.
José Serra é líder de um partido, o PSDB, que já governou o Brasil por oito anos. Sabe onde foi que o governo atual errou e erra.
Fala pouco desses erros.
Prefere tentar o impossível: disputar com Dilma a sombra do presidente Lula.
Ora, Lula fez sua escolha, sua candidata é Dilma Rousseff. Cabe aos outros fazerem oposição. Marina acerta quando ataca Serra, como fez ao apontar os erros da gestão tucana em São Paulo, no debate da Folha Uol. Esse é seu papel como alternativa aos dois grupos que já governaram o Brasil. Erra quando poupa Dilma, sabendo tudo o que sabe. E erra porque está sonegando uma informação relevante ao eleitor. Marina nunca exibiria divergências de forma agressiva.
Não é de sua natureza, nem aconselhável. Mas ser direta, clara e sincera sobre os riscos ambientais que o país corre, ela deveria ser, preservando o seu estilo elegante.
O Brasil está pegando fogo literalmente. O aumento dos focos de incêndio em todos os biomas não é coincidência. Há uma licença para queimar.
Os riscos ambientais estão subindo assustadoramente.
O Imazon divulgou um estudo mostrando que 29 áreas protegidas da Amazônia foram reduzidas ou extintas, entre 2008 e 2009, expondo à destruição um território quase do tamanho do Rio Grande do Norte. Coincide com o período em que o governo Lula afastou Marina Silva e deu maiores poderes a Dilma Rousseff.
O estrago só não é maior porque por incompetência gerencial, a maior parte do PAC não saiu do papel, é só fumaça dos efeitos especiais para a campanha eleitoral.
Em saneamento, tucanos e petistas fizeram pouco, como tenho repetido neste espaço. Nos oito anos do governo Fernando Henrique Cardoso e nos quase oito do governo petista, os investimentos em saneamento básico foram baixíssimos.
O Brasil tem dados vergonhosos para provar isso, como o IBGE acaba de divulgar: quase metade do país sem esgoto. A diferença entre os dois grupos políticos é que o governo Lula fabrica números falsos de investimento, e Dilma, confrontada com os dados verdadeiros, garante que os próximos indicadores serão bons. Aposta no mercado futuro de ilusões. Para aceitar como boa sua explicação é preciso acreditar que em 2009, ano de crise, o país deu um salto ornamental em saneamento básico, fazendo o que o governo Lula não fez em 2003, 2004, 2005, 2006, 2007 e 2008.
Nos últimos dois anos elevaram-se assustadoramente as ameaças ao projeto econômico que nos trouxe a estabilidade monetária.
O risco não vem do Banco Central, mas sim da ampliação de gastos de custeio, da criação de estatais, da intervenção política nas estatais existentes, da atuação desordenada do BNDES. Nunca o patrimônio da estabilização, herdado pelo governo Lula, esteve tão ameaçado.
José Serra, do partido que venceu a inflação no Brasil, é incapaz de alertar para esses riscos.
O que é ameaçador nas eleições de 2010 não é a vitória do governo. O eleitor brasileiro é que tem o poder de, coletivamente, decidir quem é o vencedor, e por esse poder, que emana do povo, se bateram os verdadeiros democratas.
O ameaçador é consolidar políticas imprudentes.
Por isso, a oposição tem que fazer seu papel, sem temer a popularidade do presidente Lula. Esse tipo de consagração vem e passa.
O país fica.
Entrevista:O Estado inteligente
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