O GLOBO - 21/08/10
A maior privatização do governo Fernando Henrique, da Telebrás, foi feita em ano eleitoral e no meio da crise da Ásia. Não é o fato de ser ano eleitoral que dificulta a capitalização da Petrobras. Os problemas são as sucessivas mudanças de regras, os sinais contraditórios dados aos investidores, o modelo confuso. Tudo junto fez a empresa perder só este ano um quarto do seu valor de mercado.
Valor de mercado se recupera.
O problema é o acionista pequeno que eventualmente tenha precisado se desfazer da ação num momento de dificuldade.
Ele acabou realizando o prejuízo causado pelas trapalhadas do acionista controlador. Quando a ação subia, o presidente José Sérgio Gabrielli costumava atribuir a alta à sua administração, agora que caiu, ele não faz a mesma correlação.
Há sempre uma série de fatores, e alguns aleatórios, para altas e quedas de ações, mas quando uma empresa se destaca tanto na queda é uma indicação de como os investidores estão vendo as perspectivas da empresa. Eles não estão vendo com bons olhos.
Houve várias lutas internas no governo em torno do tema. Houve uma entre a empresa, que tem pressa por causa do seu alto grau de endividamento, e a Fazenda, que teme contestações judiciais. Há de fato vários pontos obscuros em todo o projeto que vai da mudança do modelo de exploração do pré-sal à fórmula de capitalização da parte do governo. Foram dados também excessivos sinais de que a Petrobras é dirigida, não pelos seus diretores e seu conselho de administração, mas a partir do Palácio do Planalto, onde os olhos estão mais voltados para fatos a serem usados na campanha presidencial.
Tanto que no programa eleitoral até a existência do pré-sal foi apresentada como mérito do governo Lula.
No segundo trimestre, o endividamento da Petrobras saltou de 32% para 34% de seu patrimônio líquido, se aproximando do limite máximo de 35% permitido para uma empresa que tem grau de investimento. A União não quer ver diluída sua participação na companhia caso ela oferte novas ações ao mercado. A solução encontrada foi transferir para a empresa o direito de exploração, que pertence à União, de cinco bilhões de barris do pré-sal.
Para ceder, é preciso saber qual o valor desses ativos.
Para fazer o cálculo, foram contratadas consultorias que deram preços diferentes.
A ANP deu declarações de que o preço tinha que ser calibrado para aumentar a presença do Estado na empresa; autoridades do governo deram seus palpites.
O que era para ser uma avaliação técnica virou um jogo político e ideológico.
Para completar a confusão, o Tesouro terá que emitir títulos para entregar à Petrobras para ela ser capitalizada num primeiro momento.
Quando a exploração do pré-sal começar, a União pegaria seus títulos de volta. Mas essa emissão de títulos não aumentaria o endividamento porque eles serão devolvidos, diz o governo.
Uma engenharia financeira contorcionista, confusa, que gerou muitos ruídos e foi derrubando o preço das ações desde que foi anunciada há um ano. De lá para cá, a empresa já perdeu quase R$ 60 bilhões de valor de mercado.
Há um conflito na escolha do preço do barril do petróleo para definir a capitalização.
Se for mais baixo, mais perto do que a consultoria contratada pela Petrobras calculou, será melhor para os acionistas minoritários que queiram acompanhar a capitalização.
Ficará mais barato para eles.
Se o preço for mais alto, mais perto do que a consultoria da ANP calculou, será mais difícil para o acionista, mas a União poderá ficar com uma fatia maior da empresa. Isso sem falar no detalhe técnico de que, dependendo do preço, a capitalização será maior do que a que foi autorizada pela Assembleia de acionistas. Nada é simples nesse processo.
O analista-chefe da Modal Asset, Eduardo Roche, explica que as reservas que serão cedidas são do campo do Franca, onde só houve uma perfuração. Isso complica ainda mais o cálculo.
Além disso, afirma que o tempo dado às consultorias foi pequeno e que o nível de interferência política foi muito alto. Ele acha que são essas questões que deixam os investidores inseguros. A advogada Marilda Rosado, especializada no setor de petróleo e que trabalhou 20 anos na Petrobras, diz que os riscos de uma batalha judicial são grandes: — Quem achar que a Petrobras foi prejudicada na definição do valor do barril pode entrar com uma ação; quem achar que a União foi prejudicada, também.
Nesse meio tempo, ainda ocorreu o vazamento do Golfo do México, que criou nova pressão baixista nas ações de todas as empresas petrolíferas. Mais importante que essa oscilação de mercado é que, a partir da tragédia da BP no poço de Macondo, ficou claro que as empresas produtoras de petróleo em alto-mar pagarão custos maiores em seus seguros e terão que reforçar seus procedimentos de segurança.
Quando o sindicato dos petroleiros alertou para descuidos na manutenção de plataformas, a primeira resposta da Petrobras foi negar e buscar na Justiça liminar para manter a unidade em funcionamento.
Diante das fotos publicadas neste jornal, que mostravam claros sinais de falta de manutenção, a empresa recuou.
A Petrobras extrai a maior parte do seu petróleo no mar, por isso tem que ter cuidados redobrados nas suas atividades de exploração e disso dar ciência à opinião pública. Quanto mais cuidadosa e mais transparente for, melhor para a empresa.
O país não precisa parar porque há uma eleição. Pode-se tomar grandes decisões.
Mas o cuidado tem que ser redobrado. Tomara que o governo encontre uma boa saída.
Neste momento, parece estar numa armadilha que ele mesmo montou.
Entrevista:O Estado inteligente
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