O Globo - 27/08/10
Daniel Cohn-Bendit, de 65 anos, o mítico líder dos estudantes franceses em maio de 1968 e hoje deputado em quarto mandato pelo Partido Verde no Parlamento europeu — ele diz com indisfarçável orgulho que é o único político eleito por dois países, França e Alemanha — tem um sonho em relação à eleição presidencial brasileira: quer a candidata do Partido Verde, Marina Silva, no segundo turno para debater diretamente com Dilma Rousseff, a candidata de Lula. “Este é o debate que o Brasil realmente precisa ver, para escolher o melhor programa”.
Ele diz que na Europa não se vê com grande emoção a eleição brasileira porque todos estão convencidos de que a candidata do presidente Lula vai vencer. Ao mesmo tempo, os europeus não veem muita diferença entre o PT de Lula e o PSDB de Fernando Henrique Cardoso, que, aliás, foi um dos professores de “Dany Le Rouge” (por ser ruivo e socialista) naquele mesmo ano, na Universidade de Nanterre, onde a revolta estudantil eclodiu, depois se espalhando pelo país inteiro.
“São duas vertentes da mesma social-democracia. É como se fosse o partido trabalhista inglês disputando com o partido francês”.
Ele, aliás, ao fazer essa comparação revela uma crítica a partidos políticos dessa vertente, que considera culpados pelo fracasso da esquerda por não terem regulado o capitalismo.
Lula, por exemplo, CohnBendit considera o representante de uma esquerda atrasada, que esteve em voga há 30 anos na defesa do produtivismo a todo custo.
E ficou contente ao saber que Marina repetiu sua tese na quarta-feira em Porto Alegre, dizendo que Lula representava uma esquerda atrasada, que não dava a devida importância às questões do meio-ambiente.
Ele considera que o Brasil está fracassando na virada ecológica e pode pagar um preço alto por não compreender a natureza da mudança.
Por isso, acha que Marina seria a solução mais moderna para se contrapor às propostas da esquerda socialdemocrata que, acredita, Dilma e Serra representam.
“A primeira vez em que vi a Marina, achei ela toda frágil, mas quando fala tem uma força danada. Nós somos diferentes, porque a Marina é religiosa, e eu não acredito em nada. Mesmo assim, temos visões comuns”.
Daniel Cohn-Bendit não vive do passado, embora não renegue sua atuação política em maio de 68. “Eu mudei porque o mundo mudou”, diz ele, que lembra que naquele momento todas as utopias estavam abertas para a juventude, e muita coisa no mundo mudou justamente por causa da revolta dos estudantes.
Mas, hoje, está convencido de que os avanços dependem da estabilidade democrática, e não de revoluções.
Por isso não entende a esquerda latino-americana que ainda trata com reverência a revolução cubana, ou considera Hugo Chávez uma alternativa política válida.
É um crítico da política externa do governo Lula, que lhe parece movida mais por um sentimento antiamericano do que pela defesa dos valores democráticos, como os direitos humanos.
Na sua definição, Cuba representa um autoritarismo inaceitável, Chávez é o velho caudilhismo latino-americano e o Irã de Ahmadinejad, outro aliado político de Lula, o mais perigoso por ser o mais forte, com a possibilidade de ter a bomba atômica.
Cohn-Bendit acha que é até compreensível, pela história da região, um antiamericanismo, mas se espanta ao saber que Lula mantinha uma relação mais amigável com o expresidente George W. Bush do que com Barack Obama.
E também considera que, assim como o governo socialista da Espanha ajudou a libertar presos políticos em Cuba, o governo brasileiro poderia trabalhar para que os direitos humanos fossem respeitados nas ditaduras com as quais se relaciona.
Depois de se informar sobre a maneira como Lula escolheu sua candidata Dilma Rousseff, avalia que ele deve estar com intenções de tornar-se uma espécie de tutor da futura presidenta, da mesma maneira que o russo Putin escolheu para substituí-lo como primeiro-ministro Medvedev.
Mas ele não acredita que na política as coisas se passem tão linearmente: “A missa não está terminada na relação de Putin com Medvedev”, comenta Cohn-Bendit, numa expressão que mostra sua dúvida sobre se a relação dos dois não terminará em conflitos políticos como costuma acontecer entre criatura e criador.
Ele acha que, com Dilma eleita, Lula voltará a ser o líder sindicalista que tentará manter o poder: “Vai almoçar três vezes por semana com a presidenta para influir no governo”, comenta com uma ponta se sarcasmo.
Daniel Cohn-Bendit tem mandato no Parlamento Europeu até 2014, e está preparando o espírito para deixar de fazer política como atividade parlamentar depois de terminar seu quarto mandato.
Além da literatura, tema sobre o qual tem um programa na televisão suíça, ele quer se dedicar a fazer cinema, pois “preciso ter outro interesse que não apenas a política, porque senão ficarei doido”.
Um de seus projetos tem relação com a Copa do Mundo de futebol de 2014, que será realizada no Brasil: “Gostaria muito de fazer um filme sobre o tema, porque acho que haverá um problema incrível. O que acontecerá se o Brasil perder a Copa?” Cohn-Bendit diz que todos respondem que isso é impossível, “e é por isso que eu acho o tema fascinante”. Racionalmente, diz ele, o Brasil tem cerca de 40%, 50% de chances de ganhar, não muito mais do que isso.
“Não haverá 11 jogadores apenas, mas 130 milhões.
Qual é a estrutura psíquica, mental de um país que não aceita nada além da vitória como resultado final? Raramente há uma unidade dentro de um país, do mais pobre ao mais rico, todos convencidos de que o Brasil vencerá”.
Um novo Maracanazo, como o de 1950 quando Brasil perdeu para o Uruguai no final da Copa, “será cem vezes maior”, diz Cohn-Bendit, que considera mais fascinante ainda a possibilidade de em 2014 o próprio Lula estar concorrendo novamente à Presidência