Entrevista:O Estado inteligente

sábado, agosto 21, 2010

Democracia e populismo por Ruy Fabiano


O populismo, historicamente, é fator de despolitização de uma sociedade, qualquer sociedade. Investe no culto à personalidade, colocando-a acima dos temas e desafios – e mesmo dos padrões morais mais elementares -, alçando-a à categoria de semideus.

Ainda que possa ocorrer em regimes formalmente democráticos, o populismo tem viés autoritário, uma vez que se expressa por meio de um líder que se sobrepõe às instituições e fala diretamente ao povo. A Venezuela se apresenta como um regime democrático – e assim o diz o texto de sua Constituição – mas, como o demonstram os fatos objetivos, não o é.

Frequentemente, as instituições são atropeladas pela fala do líder, Hugo Chávez, que se posiciona como “pai” da população. Nessa condição, censura a imprensa, prende adversários, silencia a oposição. Getúlio Vargas era “o pai dos pobres”. Idem, Juan Domingo Perón. Idem Mussolini, Hitler e tantos mais.

Eram pais da população e as críticas a eles dirigidas vistas como afronta à família nacional.

Outro ponto característico: o populismo divide o país. É hostil à sua parcela mais politizada, demonizada no discurso oficial como opressora da porção despolitizada. É fácil entender: quanto mais politizada população, mais infensa ao populismo.

O PT, ao se constituir, nos anos 80 do século passado, era crítico ferrenho do populismo. Lula recusou diversas vezes uma maior aproximação com Brizola por considerá-lo populista, herdeiro do varguismo, incompatível com o sindicalismo moderno que então expressava. Esse, aliás, foi um fator que o projetou como a grande novidade política do país.

No poder, porém, não resistiu à sedução da popularidade. Investiu na estratégia populista e divisionista e chega agora ao paroxismo do processo: apresenta-se como o “pai” do povo, a quem transmitirá como legado “uma mãe”, sua candidata à Presidência, Dilma Roussef. A eficácia eleitoral mede-se nas pesquisas, mas os prejuízos políticos são imensuráveis.

Despolitiza a campanha, reduzindo-a a mera disputa por fragmentos do prestígio do presidente, transformado em orixá pela máquina de propaganda oficial. Os temas essenciais são postos de lado ou vagamente tangenciados. As alianças estaduais são relativizadas e os paradigmas programáticos simplesmente inexistem. O resultado é a desorganização do quadro político-partidário. Desorganização da política, caminho mais fácil para o autoritarismo.

Diante de uma plateia de trabalhadores rurais, a candidata do PT põe o boné do MST e condena a criminalização dos movimentos sociais. Já quando a plateia é de produtores rurais, diz o contrário: condena as invasões de terras e diz que não permitirá que a lei seja descumprida. Jura fidelidade à liberdade de imprensa e rubrica um programa de governo que institui o “controle social da mídia” e institui instâncias de punição.

As incongruências não precisam ser explicadas. Basta dizer que tem o apoio de Lula e que Lula tem o apoio de mais de 70% da população. A política torna-se instância estatística, sem compromissos com outros valores. É um filme antigo, que já se supunha fora de cartaz, mas cujo final não costuma ser feliz.

Ruy Fabiano é jornalista

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