Não duvidem se, dentro de poucos anos, os morros do Rio -hoje favelas-
forem ocupados pela burguesia
A EXPULSÃO dos traficantes das favelas do Rio está causando mudanças
inesperadas na vida daquelas comunidades. Era uma velha tese minha que
a única maneira de acabar com o domínio dos traficantes nas favelas
cariocas seria a polícia ocupá-las. Fazer incursões esporádicas não
adiantava nada: a polícia chegava, eles fugiam; ela ia embora, eles
voltavam.
Com a ocupação permanente pelas Unidades de Polícia Pacificadora, a
coisa mudou. O traficante não é um guerrilheiro e, sim, um comerciante
de drogas.
Se vive em guerra com seus concorrentes é porque, atuando à margem da
lei, resolve suas pendengas, recorre ao tiro. A guerra entre
traficantes e contra a polícia aterrorizava os moradores. Agora, com a
expulsão deles, reina a paz.
A dominação das favelas pelo tráfico resultou na formação de
verdadeiras empresas clandestinas que trocavam de gerente de acordo
com seus interesses comerciais. Disso resultou que, no morro do
Chapéu-Mangueira, no Leme, o gerente nascido ali foi substituído por
outro, vindo de um morro da zona norte.
Ao chegar, escandalizou-se com os trajes da rapaziada, que andava de
sunga e sem camisa. Investido da autoridade de chefe do tráfico,
proibiu o traje sumário, chegando ao ponto de mandar surrar uma moça
que o desobedeceu.
Só que ela era namorada de um assaltante, profissionalmente distinto
dos traficantes. Ele tomou as dores da namorada, mobilizou o pessoal
do morro e pôs para correr o gerente moralista. Coisa do passado, já
que agora o Chapéu-Mangueira está pacificado.
E a paz, como a guerra, tem consequências. Por exemplo, conheço um
pequeno comerciante que vendia roupas na favela do Pavão-Pavãozinho e
cujos principais compradores eram os traficantes, que não podiam
descer do morro para fazer compras nos shoppings. Com a expulsão
deles, o comércio desse cara perdeu a freguesia e faliu.
Outra mudança advinda da pacificação foi o aumento dos aluguéis. No
morro Santa Marta, em Botafogo, uma senhora mantinha um pequeno
restaurante que lhe dava bons lucros porque o aluguel era barato.
Agora, a dona do imóvel dobrou o preço, tornando quase inviável a
manutenção do negócio.
E por aí vai. Como se sabe, as favelas, por seu exotismo, sempre
exerceram verdadeiro fascínio sobre certo tipo de turista estrangeiro.
Muitos deles, especialmente os europeus, faziam questão de se hospedar
em casas de favelas, preferindo-as aos hotéis de Copacabana ou
Ipanema. Agora, esse interesse aumentou, abrangendo aqueles que temiam
os tiroteios de antes. Sem os tiroteios, fica só o folclore.
O resultado disso, no plano econômico, é que tem gente oferecendo
grana alta pelos casebres dos favelados, que já estão sendo
transformados em pousadas para turistas. Com isso, sobe ainda mais o
preço dos aluguéis das casas nessas comunidades, que passam por rápida
transformação.
Não duvidem se, dentro de uns poucos anos, os morros do Rio, que hoje
são favelas, forem ocupados pela burguesia rica. Como dali se tem uma
vista privilegiada da paisagem carioca, os casebres de hoje serão
substituídos por mansões confortáveis e luxuosas. Os favelados virão
morar conosco, aqui embaixo.
Mas isso não será para já, mesmo porque, além das mencionadas, há
outras consequências resultantes da ação das UPPs. É que os
traficantes, já expulsos das favelas da zona sul do Rio, estão
invadindo outras favelas na zona norte ou do outro lado da baía.
Nem todos, porém; alguns empregados do tráfico, agora sem o ganho que
a droga lhes provia, tornaram-se assaltantes, o que dá para perceber
no recente aumento de casos registrados em vários bairros do Rio.
O número de assaltos, conforme a polícia, tende a crescer, na medida
em que novas favelas forem ocupadas pelas unidades pacificadoras. Nas
últimas semanas, a ocupação já se deslocou para morros da zona norte,
como o do Salgueiro. O número de crimes dessa natureza tende a
aumentar, agravando o problema da segurança na cidade.
Mas pode ser que alguns deles, em vez de se voltarem para um novo tipo
de crime, optem pela volta à legalidade, como ocorreu com um antigo
gerente do tráfico no Pavão-Pavãozinho, que preferiu tornar-se
guardador de carros numa rua de Copacabana.