FOLHA DE S. PAULO
Ao censurar Colômbia e EUA, o Brasil se desqualificou como mediador imparcial no caso das bases americanas
NOS CURSOS de diplomacia e comunicações, o caso das bases colombianas deveria ser ensinado como exemplo do que não fazer. Todos os protagonistas, inclusive o Brasil, saíram-se mal de episódio cujo saldo líquido é patentear a aguda fase de divergência que vive a América do Sul, não obstante as boas intenções da Unasul e do Conselho de Defesa.
Se for verdade que não se cogita instalar bases novas, apenas aumentar o pessoal americano em instalações controladas pela Colômbia, estamos diante de monumental "metida de pata" em comunicações. Ao contrário, se houver mesmo intenção de transferir a base aérea de Manta para a Colômbia, a decisão é lamentável, mas não justifica a histeria da reação: durante os dez anos em que a base permaneceu no Equador, não consta que ela tenha causado nenhum problema de segurança.
Soam despropositadas e excessivas as alusões de Chávez, Rafael Correa e Evo Morales a guerra e mobilização. A não ser que visem esconder cumplicidades embaraçosas com a guerrilha colombiana em matéria de desvio de armas, apoio logístico, santuários na fronteira. Após as provocações a que se entregou na visita da Marinha russa, o líder venezuelano é o último a poder censurar os demais quanto a servir de instrumento para a introdução de potências estrangeiras na região.
O Brasil terminou bem sua infeliz participação na novela. O tom conciliador e construtivo adotado na reunião de Quito da Unasul não bastou, contudo, para apagar a penosa impressão deixada pelo zigue-zague das declarações do presidente, do chanceler e do assessor presidencial. A nota que prevaleceu foi a da mal disfarçada censura à Colômbia e aos Estados Unidos.
Ora, ao agir desse modo, o país obviamente se desqualifica para atuar como mediador imparcial. Não admira que o presidente colombiano se tenha apressado em oferecer esse papel ao presidente Calderón, do México, justamente o país que havia sido excluído da Unasul, concebido como exclusivo foro sul-americano.
Essa desfeita diplomática se deve a erro elementar que o Itamaraty jamais cometeu no passado: o de acuar os países latino-americanos, querendo forçá-los a escolher entre nós e os EUA. Nossos vizinhos querem ter boas relações com ambos, sem precisar optar por um ou outro.
No entanto, se forem obrigados, não é difícil imaginar quem escolherão.
Isso é sobretudo verdade em duas áreas. A primeira é o comércio, em que há 20 anos acumulamos saldos crescentes no intercâmbio com os demais, às vezes de 10 para 1. Temos muito a vender e quase nada a comprar. Como se melindrar se outros desejam firmar acordos de livre comércio com o maior mercado consumidor do mundo, ao qual destinam mais de 50% das exportações, chegando até a 80%?
Ocorre o mesmo na defesa. Quem levaria a sério a possibilidade de uma alternativa brasileira à ajuda militar americana à Colômbia? Mais de US$ 6 bilhões foram já despendidos no Plano Colômbia e Bogotá se tornou o terceiro maior beneficiário da assistência militar dos EUA, após Israel e o Egito. Como condenar país que luta pela sobrevivência contra narcotraficantes e guerrilheiros que não se distinguem de bandidos?
As animosidades e as suspeitas só poderão ser superadas se a Unasul fizer valer para todos a mais rigorosa não ingerência, o que se aplica também às declarações das autoridades brasileiras.
Entrevista:O Estado inteligente
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