O GLOBO
O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, está com a agenda cheia até outubro. Tem pelo menos umas dez reuniões com economistas e órgãos internacionais em diversas cidades do exterior. "Continuo focado no meu papel de autoridade monetária. Não há possibilidade de eu sacrificar a política monetária para ser candidato", me disse Meirelles.
Um presidente do Banco Central não usa capacete de obra. Por isso, é tão destoante a imagem de Henrique Meirelles, de terno, gravata e capacete, em campanha com o presidente Lula. Não há conciliação dos dois papéis. Meirelles sabe. O que ele garante é que a decisão de ser candidato não foi tomada. A explicação que ele dá é que se houver filiação, haverá possibilidade legal de ser candidato; se não houver, não há. E que é apenas isso que ele está considerando. Deixar uma janela aberta.
- A filiação é condição necessária, mas não suficiente para ser candidato.
Uma campanha não acontece apenas a partir do momento do lançamento oficial da candidatura. Ela é uma costura que envolve articulações, negociações com partidos, formação de chapas. Coisas do mundo da política que são incompatíveis com o mundo da autoridade monetária. Candidatos são vulneráveis aos pedidos dos políticos e das bases, presidentes de banco central não podem ser. Quando disse isso para Meirelles, ele me respondeu que sabe exatamente disso.
Meirelles viaja para Jackson Hole, onde participa de uma tradicional e seletíssima reunião de economistas. Depois, vai para Aspen, para outra reunião de economistas. Volta para o Copom. Vai a Londres, para o Banco de Compensações Internacionais, o BIS; depois, para a França; em seguida, à reunião do G-20; aí será a vez do encontro de Basileia, em nova reunião bimensal do BIS, que discute a solidez do sistema bancário. Segue para Londres para uma palestra para investidores.
- Em Goiás, me disseram que com uma agenda dessas não farei nenhuma articulação a tempo de lançar candidatura, e aí não tornarei nenhuma candidatura viável. Eu disse: paciência! Meu papel é ser presidente do Banco Central e é o que serei - garante ele.
Meirelles me disse que qualquer coisa que ele fizer daqui para a frente, seja uma carreira eleitoral, seja um retorno à economia privada, será decorrente do patrimônio que conseguiu fazendo de forma focada o que tem feito nos últimos sete anos:
- Qualquer coisa que fizer terá como lastro o fato de ter resistido a todas as pressões e ter perseguido de forma persistente a manutenção da estabilidade. Não vou arriscar isso de maneira alguma.
Diante da incredulidade, o presidente do Banco Central responde o seguinte:
- Estou acostumado a dizer coisas que primeiro as pessoas não acreditam, depois passam a desconfiar que possa ser verdade, e depois constatam que eu falava sério.
Em uma conversa que tive com ele meses atrás, Meirelles me disse que enquanto não tivesse certeza de que a economia brasileira estava fora de perigo de contaminação pela crise internacional, ele nem pensaria no assunto de possível volta à atividade política. De fato, permaneceu concentrado pilotando, com sucesso, momentos de turbulência. Houve períodos de perigo, como o das empresas exportadoras alavancadas em dólar num momento em que a moeda americana disparou e o crédito internacional secou. Com perícia, ele desfez o nervosismo e a especulação. Mas agora, ele mesmo avalia que a situação econômica está melhorando sensivelmente, com o país saindo do pior da crise.
- Hoje o risco é menor, a situação econômica está forte e o Brasil tem ótima reputação, mas meu compromisso continua sendo com a estabilidade. Mas se é isso, você pode me perguntar: por que então essa conversa de ser candidato que só traz ruídos?
Ele pergunta e ele mesmo responde com um argumento inesperado. Diz que ele nem considerar a possibilidade de tentar um cargo eletivo no Brasil tem um custo também, até no exterior. Passaria o sinal, na visão dele, de que no Brasil uma pessoa que defenda uma agenda de avanços institucionais, como Banco Central independente, nem pensa em se candidatar porque isso não teria espaço na política brasileira.
- Eu não sou político, participei da vida política por quatro meses. O normal é não participar do processo eleitoral - diz ele.
O que ele não diz é que a articulação para ser candidato a governador de Goiás pode ser infrutífera além de tudo. Como a coalizão que o presidente Lula busca é PT-PMDB, isso significaria que o candidato governista será Iris Rezende. Meirelles tem uma situação delicada nos próximos meses. Se tentar tocar ao mesmo tempo suas funções de autoridade monetária e as de pré-candidato fará uma confusão institucional insustentável. Se não fizer as articulações não viabilizará candidatura alguma. Se ele não se filiar não estará com o pré-requisito indispensável para aproveitar qualquer oportunidade que surgir depois de outubro; se ele se filiar, passará a ideia de que já iniciou a dupla militância. O que sim, ele deve evitar, são novas aparições de capacete de obras, em ambiente de campanha, como a de quinta-feira.
Entrevista:O Estado inteligente
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