Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, agosto 07, 2009

Sem vencedores Merval Pereira


O Globo - 07/08/2009
 


O objetivo de dar transparência aos debates parlamentares ou às sessões do Supremo Tribunal Federal (STF) está na origem da criação dos seus canais oficiais. Quando, recentemente, o presidente do STF, Gilmar Mendes, discutiu em plena sessão com o ministro Joaquim Barbosa, chegou-se a temer que o próprio Poder Judiciário perdesse a credibilidade diante da opinião pública, e cogitou-se até mesmo cancelar as transmissões ao vivo. Não aconteceu, e a atuação de ambos os ministros ganhou destaque, com apoios e críticas. 

Ontem, aconteceu o contrário. A TV Senado mostrou, como uma espécie de ápice negativo de uma semana tumultuada, o bate-boca entre os senadores Tasso Jereissati (PSDB-CE) e Renan Calheiros (PMDB-AL), um chamando o outro de "cangaceiro" e "coronel", culminando com Renan usando até mesmo palavras de baixo calão. 

Era previsível o que aconteceu ontem no plenário do Senado, e espantoso é que não tivesse acontecido antes, ou na reunião do Conselho de Ética que, seguindo um padrão conhecido por todos, começou a tentar anular preliminarmente todas as acusações contra o senador José Sarney (PMDB-AP), sem permitir que uma investigação independente esclareça devidamente os fatos. 

Está em vigor a tentativa de impor a lei do mais forte, a maioria governamental disposta a se entregar à simplória, porém truculenta, lei de Cafeteira: o que importa é quem está a favor ou quem está contra Sarney, e não o que fere ou não o decoro parlamentar. 

O espírito de revanche está instalado no Senado, o que levou o senador Renan Calheiros a ler, em nome do PMDB, uma representação contra o senador tucano Arthur Virgílio (PSDB-AM), que havia mantido no exterior, com salário do Senado, um funcionário de seu gabinete que estudava teatro, sem os trâmites administrativos regulares. 


O líder do PSDB também foi acusado pelo PMDB de ter pedido emprestado dólares ao ex-diretor-geral da Casa Agaciel Maia, para pagamento de despesas pessoais no exterior, entre outras coisas. O que diferencia os casos de Arthur Virgílio dos demais que estão sendo debatidos no Conselho de Ética é que o senador admitiu publicamente seus erros, e o fez reagindo a uma chantagem que procurava constrangê-lo, para que não continuasse a denunciar os desmandos do Senado. 

O que o senador Arthur Virgílio fez, confessando a culpa e repondo o dinheiro, é um passo adiante nos costumes políticos brasileiros; e o hábito de usar o Conselho de Ética para retaliar os adversários políticos só faz com que a crise de credibilidade se aprofunde. 

O clima que está instalado no plenário do Senado não tem data para terminar enquanto o senador Sarney continuar na presidência, e dificilmente o PMDB sairá vitorioso, se prevalecer o ambiente belicoso que interessa à "tropa de choque" impor. 

A crise do Senado está explicitando para o grande público as características da forma de fazer política que o maior partido brasileiro adota com sucesso há muito tempo: chantagens, fisiologismo, patrimonialismo. 

O que está claro é que, assim como o Senado necessita de uma reforma administrativa que dê cabo aos desmandos e imponha regras definidas, também o país está necessitado de uma reforma política e de legislação eleitoral profundas, que transformem os partidos políticos em canais efetivos de representação da sociedade e não de grupos políticos. 

Quando os peemedebistas acusam a oposição de estar movida por interesses políticos com vistas à eleição de 2010, o que está por trás é a intenção de impor ao PT uma solidariedade compulsória à presença de José Sarney na presidência do Senado, como posição condicionante ao apoio do partido à candidatura oficial do governo. 

O presidente Lula está disposto a pagar essa fatura, e tem manobrado pessoalmente para tentar mudar a posição da bancada do PT, que defende a licença de Sarney para que as denúncias sejam investigadas. 

Nada indica que uma proximidade tão grande com o que há de pior na política brasileira possa trazer benefícios eleitorais a um governo tão popular quanto o de Lula no momento. 
Ao contrário, é previsível que essa aproximação possa trazer resultados negativos, e não apenas entre os eleitores da elite, como acredita o presidente do Ibope, Carlos Augusto Montenegro. Ele negou que tivesse uma pesquisa que indica que a crise de Sarney não chegou às classes C, D e E. 

O próprio Sarney falou sobre essa suposta pesquisa a vários senadores, para convencê-los de que não correriam perigo de prejuízos eleitorais ao apoiá-lo, como registrei na coluna de ontem. 

O empenho do presidente Lula nesse apoio do PMDB parece inexplicável, pois os peemedebistas que estão hoje na base do governo na maior parte não têm alternativas políticas na oposição. 

Mas o que o presidente quer mesmo é impedir que o PMDB se divida, como costuma fazer, e levar para a candidatura oficial os valiosos minutos de televisão na propaganda da campanha eleitoral para presidente em 2010. Na definição do próprio Lula, os partidos políticos só têm importância em dois momentos: antes da campanha eleitoral, na definição das coligações, por causa do tempo de televisão, e durante o governo, para garantir a maioria parlamentar. 


Durante a campanha, o eleitor segue sua lógica própria, independentemente dos partidos em que os candidatos estejam inscritos. Mas, para isso, precisa de exposição pela televisão. Fiel a essa estratégia, Lula está jogando tudo na manutenção de Sarney. Pode estar cometendo um grave erro.

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