O GLOBO
Na Inglaterra, ministro da Energia é também das Mudanças Climáticas. Trata das duas questões. Isso muda a conversa, a atitude, e até o programa de visita a países. Ed Miliband, o atual ministro, foi ao Parque Nacional do Xingu se reunir com lideranças indígenas. Viu do avião desmatamento e madeira empilhada. Na conversa com índios, ouviu de uma líder: "Nas nossas veias corre o mesmo sangue."
— Não há substituto para uma experiência dessas. Vi grandes áreas desmatadas. Os índios estão sofrendo já os efeitos da redução da água, da falta de peixes. No Reino Unido, nós temos interesse direto no que se passa com os povos do Xingu — me disse o ministro numa entrevista que fiz com ele na Globonews.
Miliband, nos seus 39 anos, tem energia suficiente para visitar os vários climas do Brasil. Por isso, além de se reunir no meio do Parque Nacional do Xingu com lideranças indígenas de várias etnias, esteve com ambientalistas, fazendeiros na Amazônia, governadores, políticos, autoridades, empresários. No dia em que o entrevistei em São Paulo, ele estava saindo de um café da manhã com o presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, e depois da entrevista foi para um debate com estudantes em uma universidade.
Ele conclui, em todos os contatos, que o Brasil pode assumir um papel muito mais forte na liderança da questão climática no mundo, a partir da emblemática reunião em Copenhague, em dezembro:
— É uma grande oportunidade para o Brasil no cenário internacional. O país tem boa reputação, liderança em biocombustíveis. Queremos um acordo em Copenhague em que não se fique em jogo de palavras de metas, objetivos, compromissos. Queremos que cada um faça mais. O Reino Unido se comprometeu a reduzir em 34% suas emissões até 2020. Mas pode fazer mais, pode chegar a 42%. A Europa pode fazer mais, o Japão, Estados Unidos, todos, inclusive os emergentes.
Ele diz que até 2020 é mais provável que os países emergentes aceitem estabilizar suas emissões. Após isso, seria inevitável ter metas de redução também para emergentes.
O ministro disse que o Brasil tem reduzido o desmatamento, mas que pode e deve ser ajudado por outros países. Lembrei que este era um assunto sensível no país e perguntei como o mundo pode ajudar a preservação, ao mesmo tempo respeitando a nossa soberania:
— O Brasil pode fazer uma parte sozinho, mas nós temos nossas responsabilidades e podemos ajudar.
Miliband disse que não veio aqui dizer o que o Brasil tem que fazer e admite que ficou animado com o que ouviu de alguns interlocutores sobre as metas de redução de 70% do desmatamento até 2017. Até da conversa com fazendeiros na Amazônia — que começou meio azeda porque ele viajou com o Greenpeace — ele tirou motivos para otimismo. Os fazendeiros admitiram que desmataram, mas reconhecem hoje os riscos de redução do abastecimento de água e o alto custo de refazer a floresta.
O programa de transição para uma economia de baixo carbono que ele anunciou no mês passado na Inglaterra prevê que 40% da energia em 2020 serão de baixo carbono. Eu perguntei a ele se achava esse nível bom o suficiente diante da responsabilidade histórica da Inglaterra com as emissões de gases de efeito estufa; até pelo fato de que ele incluiu como fonte de baixo carbono o "carvão limpo", uma possibilidade controversa.
Ele disse que o programa é ousado, e que o objetivo de 2050 é reduzir em 80%. Sobre o carvão, ele defendeu a tese de que não há possibilidade de se pensar o futuro da energia sem o carvão limpo. Perguntei se ele realmente acreditava em "carvão limpo". Ele admitiu que só há experiências de pequeno porte, mas que a Inglaterra tentará uma experiência de maior escala de captura e armazenamento de 90% do carbono do carvão:
— Deixe-me pôr desta forma: não há possibilidade de enfrentar a questão climática sem desenvolver uma tecnologia de carvão limpo. Fui à China e visitei cidades que vão construir usinas a carvão nos próximos 40 anos porque é uma fonte barata e acessível.
Perguntei se ele achava que o petróleo tinha futuro. Ele acha que tem futuro na transição, por algumas décadas. Mas o mundo terá que reduzir dramaticamente suas emissões. No programa inglês de transição para o baixo carbono, há uma ideia interessantíssima: cada órgão do governo terá um orçamento de carbono. Terá que cumprir, por lei, como o orçamento fiscal. Por isso, o governo está revendo suas práticas, medindo suas emissões para atingir as metas que impôs a si mesmo.
Quis saber se ele achava aceitável que a Inglaterra mandasse lixo para o Brasil. Ele reconheceu que o fato é inaceitável, disse que o assunto está sendo investigado, negou que fosse rotina inglesa mandar lixo para outros países, e disse que falou com o ministro Carlos Minc que o assunto o incomodou tanto quanto ao ministro brasileiro.
Por fim, lembrei a ele que a Inglaterra teve 15 ministros da Energia em 12 anos. Que garantia há de que o plano que ele anunciou será cumprido?
— O plano está sendo aprovado pelo Parlamento. Será um plano do país.