Entrevista:O Estado inteligente

sábado, dezembro 06, 2008

Por um País da mala branca Mauro Chaves

Já que os valores morais da sociedade brasileira se encontram tão destroçados (pelo menos no momento), é preciso buscar novas formas de conter os distúrbios de nosso convívio humano e as ameaças à nossa já precária coesão social. E já que nossa sociedade se mostra tão avessa à punição pelo desrespeito à lei (pois a cada eleição perdoa tantos nas urnas), façamo-la, de vez, cumprir a lei apenas mediante incentivos.

Recente moda futebolística pode-nos apontar o caminho dessa transformação, que troca a sanção pelo estímulo e a punição pela perda de vantagem. É a chamada prática da "mala branca", pela qual um clube paga a outro para que este ganhe. É claro que isso nada tem que ver com o suborno da "mala preta" - a execrável compra de goleiros, zagueiros e outros de um time para que deixem a bola passar e percam o jogo. A "mala branca", ao contrário, é um saudável incentivo para que os profissionais do esporte ajam corretamente, isto é, esforcem-se ao máximo para ganhar um jogo.

Com certeza diminuiríamos muito nossos índices de violência e criminalidade se introduzíssemos o conceito da "mala branca" em nossa legislação penal. Por exemplo, de acordo com o nível socioeconômico do criminoso, poderíamos ter reformulado o artigo 121 do nosso Código Penal, nos seguintes termos: "Matar alguém - pena: Perda total do Bolsa-Família (para carentes); ou perda total da aposentadoria integral (para altos escalões)." No campo da administração pública das cidades o conceito teria ampla e benéfica aplicação, ao premiar com melhores obras de infra-estrutura e menores taxas aquelas comunidades que apresentassem os menores índices de violência e criminalidade.

Os membros de cada comunidade seriam solidários na melhoria desses índices, pois sentiriam na própria pele suas variações. Assim, todos cobrariam de todos o comportamento mais pacífico - ou mais respeitador dos direitos de todos -, fiscalizariam e coibiriam os abusos internos da comunidade e até competiriam, com outras comunidades, pela atração de maiores verbas públicas em razão de seu bom comportamento coletivo. As localidades onde houvesse menor incidência de lesões corporais, furtos, atropelamentos, pichações ou excrementos de cachorro nas calçadas - para mencionar variadas modalidades de desrespeito à lei e aos direitos dos cidadãos - poderiam ser beneficiadas com substanciais reduções de IPTU.

No Legislativo haveria a possibilidade de se fazer uma verdadeira revolução ética, só por meio de incentivos. Por exemplo: se, nas sessões plenárias, os ilustres parlamentares se postassem em seus assentos - como se vê nos filmes que mostram Parlamentos de quaisquer democracias civilizadas do mundo -, em vez de ficarem amontoados e andando pelo recinto, cochichando entre si ou nos seus celulares, sem prestar a mínima atenção ao colega que está na tribuna ou ao que preside os trabalhos, poderiam receber na íntegra suas polpudas verbas de representação. Se não fizessem troca-troca de partido, poderiam contratar um parente, isentando-se da proibição imposta pela lei do nepotismo. Se não gazeteassem as seções plenárias, ganhariam entrevistas exclusivas na TV Câmara.

No Judiciário, o juiz que falasse menos fora dos autos e opinasse menos sobre questões que ainda poderá julgar teria direito a um motorista adicional, com o que daria condições mais confortáveis de locomoção à sua família. Se reivindicasse menos reajustes de salários, ganharia mais passagens internacionais para suas habituais viagens de estudo. No Ministério Público, o promotor ou procurador que desse menos entrevistas teria dobrado, para efeito de aposentadoria, o valor de seus qüinqüênios. Na Ordem dos Advogados do Brasil, nas seccionais em que houvesse o menor número de inscritos envolvidos em entrega de celulares a presidiários e/ou práticas de irregularidades assemelhadas os profissionais do Direito teriam descontos dos juros pagos em empréstimos de instituições financeiras oficiais e outros benefícios. Na Polícia Federal, quanto menos as operações fossem exibidas com espalhafato nos telejornais, mais seus agentes desfrutariam o recebimento de horas extras durante o repouso semanal remunerado.

Por falar em sistema financeiro, os banqueiros que menos inventassem novas cobranças por velhos serviços prestados aos correntistas e menos reduzissem as folhas dos talonários de cheque, cobrando igual, poderiam ter reduzida a sua porcentagem de recolhimento compulsório ao Banco Central. E quanto aos cartões de crédito, quanto mais as moças do telemarketing demonstrassem menos falsa intimidade com perguntas do tipo "como o senhor está?" e mais fossem direto à venda do produto, mais facilidades poderiam obter no acesso aos apetitosos cadastros do alto funcionalismo público federal.

Estes são apenas alguns exemplos que nos ocorrem, mas o prezado leitor poderá imaginar um sem-número de situações em que aquilo que já foi moda os psicólogos chamarem de "reforço positivo" - o bom estímulo - pode substituir, com vantagem, o "reforço negativo" da punição. A proposta, então, é transformarmos este "país da mala preta" - dos subornos, propinodutos, mensalões, dossiês, arapongagens, aloprados, sanguessugas, dólares na cueca, etc. - num "país da mala branca", onde a atitude correta é também premiada.

Não que tenhamos a ingenuidade de supor que, com este projeto, o desrespeito à lei e a prática do crime deixem de ser muito mais rentáveis e vantajosos, como são. É que esta mudança talvez leve cidadãos honestos (e seus descendentes) a não sofrerem tanto do complexo de otários - já que, também, ganharão alguma coisa.

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