O escândalo bilionário da pirâmide financeira
montada por um figurão de Wall Street é um novo
abalo numa economia marcada pela recessão
Thomaz Favaro
Shannon Stapleton/Reuters |
SOB FIANÇA |
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Não bastassem o colapso do sistema imobiliário, o naufrágio da indústria automobilística e o mergulho na recessão, os americanos estão agora às voltas com uma vigarice monumental. Bernard Madoff, um figurão de Wall Street, sumiu com 50 bilhões de dólares de seus clientes. Na delegacia de polícia para onde foi levado na semana passada e da qual saiu sob fiança, ele admitiu ter montado um gigantesco esquema tipo pirâmide – o mais manjado dos golpes financeiros. Consiste em remunerar os clientes mais antigos com o dinheiro dos novos investidores, sem produzir rendimentos reais. Madoff, que foi presidente da Nasdaq, a bolsa das empresas de tecnologia, oferecia retornos estáveis de 10% a 12% ao ano para o capital investido, independentemente dos altos e baixos do mercado. Nem mesmo a crise econômica havia batido às suas portas: seus investimentos cresceram 5,6% até novembro, enquanto o valor de mercado das empresas nas quais ele supostamente investia tinha encolhido 37,7%.
O esquema veio abaixo, como um castelo de cartas, quando clientes, de caixa baixa devido à crise, quiseram retirar 7 bilhões de dólares no começo deste mês. O próprio Madoff avisou os filhos de que tudo não passava de "uma grande mentira". Na empresa, fundada com seu irmão Peter, trabalhavam dois filhos e dois sobrinhos que, parece, não sabiam do esquema fraudulento. Madoff, hoje com 70 anos, abriu sua primeira consultoria em 1960, com o dinheiro ganho como salva-vidas numa praia nova-iorquina. Ele era visto como um gênio – e também como o corretor mais simpático e cordial do país. Por fim, era um pilar da filantropia judaica.
Shaun Curry/AFP |
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O que torna o golpe único é o calibre dos investidores enganados. Bancos globais, que pareciam blindados contra a crise econômica, como o espanhol Santander, o inglês HSBC e o francês BNP Paribas, enterraram mais de 30 bilhões de dólares num esquema que deveria ter despertado suspeitas. Foi por intermédio de suas instituições de caridade judaicas que muita gente famosa, como o cineasta Steven Spielberg e o Nobel da Paz Elie Wiesel, perdeu fortunas nas mãos de Madoff. Pelo menos um terço dos sócios do Palm Beach Country Club, um reduto de milionários na Flórida que Madoff freqüentava, perdeu dinheiro. Aplicar no fundo de Bernie, como era chamado pelos amigos, era um sinal de prestígio, e conhecê-lo pessoalmente era um privilégio requisitado por muitos sócios do clube. "Trata-se de um típico caso de fraude", disse a VEJA a israelense Tamar Frankel, professora de direito na Universidade de Boston, nos Estados Unidos, que se prepara para lançar um livro sobre o tema. "O sujeito aproveita-se de sua reputação para construir um esquema ilícito que mistura negócios e laços sociais." Madoff dava ares de exclusividade a seu fundo rejeitando alguns investidores e pedindo aos clientes que não comentassem sobre ele com estranhos.
Como podem milionários ser enganados com tanta facilidade? Madoff mantinha a contabilidade em segredo e controlava a pirâmide em um andar separado do restante da empresa. Não dava satisfações aos clientes sobre o desempenho dos investimentos: o modus operandi era tratado como sua patente e mantido a sete chaves. Devido a sua credibilidade no mercado, poucos investidores questionavam seus métodos de trabalho.
O maior perdedor foi o Fairfield Greenwich Group, empresa comandada pelo americano Walter Noel, que deixou metade de seu patrimônio de 14 bilhões de dólares com Madoff. O recém-aposentado Noel, casado com a brasileira Mônica Haegler (veja o quadro), levou centenas de clientes para o fundo de Bernie, seu amigo. A empresa era o principal intermediário de investidores brasileiros que procuravam os fundos de Madoff. A identidade desses investidores permanece um mistério. Como o dinheiro aplicado parece provir de caixa 2, eles agora não podem reclamar o prejuízo na Justiça americana sem se complicar com a Receita Federal brasileira.
Nos Estados Unidos, pirâmides como as de Madoff são chamadas de esquema Ponzi, em alusão ao italiano Carlo Ponzi, que ganhou fortunas prometendo dinheiro rápido a pequenos empresários entre 1918 e 1920. Golpes similares são aplicados no mundo todo. Na Colômbia, um esquema envolvendo 240 empresas e 800 milhões de dólares veio abaixo no mês passado. Esse tipo de fraude pode ocorrer em qualquer setor da economia, sobretudo naqueles em que a fiscalização é pouca ou ineficiente. No caso de Madoff, a fraude passou incólume pela Securities and Exchange Commission (SEC), o xerife do mercado financeiro americano, que há duas décadas se apequenou diante da pujança do mercado de capitais. A SEC investigou-o diversas vezes, tendo encontrado mais de uma irregularidade, mas não tomou medidas contra a empresa. Embora o Brasil não esteja livre de pirâmides, um esquema como o de Madoff teria menor chance de prosperar no país. "A Comissão de Valores Mobiliários, órgão que regulamenta o mercado financeiro brasileiro, exige muito mais transparência dos fundos de investimento que a SEC americana", afirma o advogado Jairo Saddi, professor do Ibmec de São Paulo. Tomara que sim.
Ronaldo Soares
Dilmar Cavalher/Strana |
A BRASILEIRA BIANCA Seu tio perdeu 7,5 bilhões de dólares |
Walter M. Noel já foi o mais afortunado dos homens. Riquíssimo, mora numa casa espetacular num subúrbio nova-iorquino e tem cinco filhas lindas e charmosas. Em 2002, a Vanity Fair mandou fotografá-los para uma matéria de cinco páginas porque, na avaliação da revista, formavam a família perfeita. Noel está de volta ao noticiário por outro motivo: o Fairfield Greenwich Group (FGG), do qual é um dos fundadores, era um dos principais captadores de clientes para os fundos de Bernard Madoff. Agora é aquele que amarga o maior prejuízo individual: 7,5 bilhões de dólares, pouco mais da metade de seu patrimônio. Casado há mais de quarenta anos com a carioca Mônica Haegler, Noel é o elo entre o caso Madoff e o Brasil.
Os Haegler fazem o gênero low profile, mas seu sobrenome faz com que um escândalo financeiro transborde do noticiário econômico para as colunas sociais. Essa família suíça, que chegou ao Brasil nos anos 20, tornou-se milionária na segunda geração, composta dos irmãos Ricardo (já falecido), Pedro, Mônica e Alex. No Brasil, o FGG tem como "consultora de negócios" Bianca Haegler, filha de Alex. Sua função é prospectar para a empresa do tio possibilidades de negócio entre os fundos de investimento brasileiros. Em nota, o FGG diz que nunca distribuiu títulos mobiliários no Brasil (o que seria ilegal) e que é vítima da fraude monumental de Madoff. Alex mora no Rio, é casado com Sandra, citada como uma das mulheres mais elegantes da cidade, e tem quatro filhos. Bianca e seu marido, o cardiologista Carlos Scherr, vivem nas colunas sociais. Seu irmão, Phil, é casado com Letícia Monteiro de Carvalho, neta do fundador do grupo Monteiro Aranha.
FAMÍLIA PERFEITA |
Uma curiosidade a respeito dos Haegler vem da época da chegada ao Brasil. Junto com eles vieram os Lemann, com quem tem laços familiares. Nos anos 60, Jorge Paulo Lemann – hoje à frente de ABInBev e Americanas – estreou no mercado financeiro. Abriu uma corretora, que acabou falindo no início dos anos 70. Quem o socorreu financeiramente foram os Haegler.