O Brasil está escolhendo repetir erros passados. Ontem, o BC anunciou que usará reservas cambiais para financiar dívida externa do setor privado. Pode queimar as reservas e conseguir, apenas, estatizar a dívida privada, erro já cometido nos anos 80. Para o contribuinte pessoa física, o Ministério da Fazenda divulgou um pequeno alívio; para as grandes empresas, o governo promete as reservas cambiais.
Na atual administração, o Ministério da Fazenda mudou a lei cambial de 1933, acabando com a obrigação das empresas de trazerem para o Brasil os dólares das exportações. Isso era na época em que a Fazenda achava que tinha que salvar as empresas exportadoras do dólar baixo demais. Agora, a Fazenda e o Banco Central acham que precisam salvar as empresas do dólar alto demais.
O risco da medida é que, nos últimos anos, as empresas aproveitaram os juros baixos fora do país e aumentaram muito suas dívidas. Muitas vezes, aplicaram parte disso nos altíssimos juros brasileiros. Ganharam se endividando barato e emprestando caro para o Tesouro brasileiro. Agora, que a situação se inverteu, o Banco Central as salva com as reservas cambiais. Veja, no gráfico, como a dívida externa pública caiu e quanto subiu a dívida das empresas e dos bancos públicos.
O limite de US$ 10 bilhões para as operações de empréstimo às empresas endividadas no exterior está longe de resolver o problema. A dívida, mesmo só a de curto prazo, é muito maior. Além disso, a operação representa um risco: e se as empresas não pagarem aos bancos, de quem será o prejuízo? Este filme já vimos, e quem ficou com o mico foi o Tesouro.
No pacote de ontem, o governo deu uma pequena redução de impostos para as pessoas físicas, e esta foi uma excelente medida. A redução de impostos para pessoas físicas tinha mesmo que beneficiar quem ganha menos e tem a possibilidade de consumo mais afetada pela crise. O governo deu novo alívio para a indústria automobilística, mas não exigiu nenhuma contrapartida. Em outros momentos, as empresas do setor sempre se apropriaram de qualquer renúncia fiscal feita pelo governo. Cortar imposto de carro popular faz mais sentido do que o corte de imposto de picape.
Além disso, o governo ofereceu parte das reservas cambiais para as empresas com dívidas no exterior, numa engenharia financeira em que as reservas vão para os bancos, serão emprestadas para as empresas amortizarem suas dívidas, mas continuarão contando nas reservas cambiais. O país terá uma contabilidade de reservas: parte do que vai constar lá não tem liquidez imediata. Este filme também já vimos e, no fim, o Brasil tinha duas estatísticas de reservas; uma registrava um dinheiro que nunca foi recebido.
O BC liberou uma extraordinária montanha de empréstimo compulsório para os bancos, e eles elevaram a taxa de juros. Com mais dinheiro para emprestar, os juros cobrados das empresas e pessoas subiram pelo sétimo mês consecutivo, segundo a Anefac. Como solução, o governo prometeu, ontem, que vai pressionar os bancos públicos, para que eles emprestem mais barato, esquecido de que o Banco do Brasil é uma instituição de capital aberto, com acionistas privados. O governo é o acionista, não é o dono. O BB fica numa situação estranha: deixado operar livremente, ele se comporta pior que os bancos privados, como ficou provado recentemente na reportagem sobre as tarifas cobrados pelos bancos desde a regulamentação. Mas o governo conta com o Banco do Brasil como um executor de políticas públicas, mesmo sendo uma instituição que tem acionistas privados.
Enquanto durar esse clima de incerteza, os bancos, mesmo tendo mais reais ou dólares, vão preferir entesourar; as pessoas vão preferir também poupar. O governo poderia incentivar a economia, desburocratizando, reduzindo impostos de todos os setores, cortando gastos de custeio, facilitando a produção e o emprego. Não deveria ter meta de crescimento. Dependendo das circunstâncias, a perseguição de uma taxa de crescimento pode aumentar o risco de desequilíbrio das contas externas.
O pacote de ontem é um amontoado de medidas. Algumas fazendo sentido, outras menos. Algumas representando estímulo aos consumidores, outras representando risco para o Tesouro. Não é o último pacote, o governo certamente fará outros. Que consiga fazer um conjunto mais coerente da próxima vez.