O economista José Júlio Senna acha que é hora de se perguntar até que ponto as políticas monetária e fiscal vão dar certo, tanto nos EUA como no Brasil. Ele cita um ditado inglês: “Você pode levar o cavalo até a fonte, mas não pode fazê-lo beber água.” No Brasil ele acha, até, que o cavalo pode se inclinar um pouco mais, só que não tem nada que garanta. Difícil é obrigar os bancos a liberarem o dinheiro.
As reservas bancárias nos EUA estavam em US$ 47 bilhões em meados de setembro e se mantinham lineares. Foram para US$ 640 bilhões no dia 26 de novembro. Ou seja, o dinheiro liberado para salvamento do mercado de crédito foi entesourado pelas próprias instituições. Com base nesse dado, Senna, da MCM Consultores, se pergunta até que ponto as medidas de tantos governos no mundo inteiro vão dar o resultado esperado.
A expressão usada por ele está no livro “Servidão Humana”, de W. Somerset Maugham, que conta a história de um jovem criado pelo tio e que tem problemas pois tem um defeito no pé. Em determinado momento, ele é demitido do seu emprego e o patrão usa a expressão para dizer ao tio do jovem que ele, mesmo tendo oportunidades, não mostrara interesse no emprego. Na economia, segundo ele, pode acontecer a mesma coisa: mesmo com todas as liberações de dinheiro, toda a queda dos juros, o crédito pode não voltar ao normal tão cedo. Os bancos não querem salvar o sistema de crédito, querem se proteger contra o risco de papéis podres que ainda carregam, e da incerteza que ainda dá o tom dos negócios no mundo inteiro.
Nos Estados Unidos, o Fed já deu início ao que os economistas estão chamando de quantitative easing, injetando dinheiro no sistema bancário na compra de ativos. Só que esses recursos não estão circulando pelo mercado bancário e, conseqüentemente, chegando ao consumidor. Isso é que explica o salto gigantesco de quase 15 vezes nas reservas bancárias em apenas dois meses. “Os bancos estão mantendo as reservas com eles e não emprestam. Com certeza, há empresas e consumidores com receio de pegar dinheiro emprestado. Aí, ocorre o inverso do que as autoridades monetárias queriam com a injeção de dinheiro que fizeram na economia. Ele não circula. E se os bancos não emprestam, a política monetária perde a eficácia”, diz ele.
O mesmo acontece com os cidadãos americanos. Lá, muitos aplicam em bolsa e em imóveis. Os preços dos imóveis e das ações despencaram – as perdas estão estimadas em um PIB americano – e as pessoas perderam muito dinheiro. Neste caso, o que se faz: poupar a renda corrente e não aumentar gastos. E aí, para Senna, a política fiscal de redução de juros pode não dar resultado, já que, no lugar de consumir e impulsionar a economia, as pessoas preferem poupar. O primeiro pacote de estímulo nos EUA, de US$ 170 bilhões, foi quase integralmente guardado, em vez de virar expansão do consumo. “Não é porque o melhor está sendo feito que tudo vai dar certo, que o resultado será o desejado. A expectativa está no plano anunciado pelo Barack Obama, de investimentos em infra-estrutura, que pode ser mais eficiente que as outras medidas”, acredita o economista.
No caso do Brasil, ele diz que é comum as pessoas afirmarem que há muitos instrumentos monetários e que é só colocá-los em prática. Um deles seria a taxa de juros, que é absurdamente alta. “As pessoas dizem que quando os juros começarem a cair, os problemas serão resolvidos. Vai ajudar, mas não sei se será dessa forma.”
A crise já chegou aqui, mas não da forma como é lá fora. O sistema bancário brasileiro é mais regulado que o dos EUA, e uma situação como a dos subprimes, que está na base dessa crise, é muito difícil de acontecer aqui. Nos imóveis, já há redução de lançamentos e de investimentos, pode haver queda nos preços, mas não tanto como lá. A bolsa despencou, mas a prática de investimento em bolsa é bem menos disseminada entre os cidadãos. Nos Estados Unidos, as famílias estão perdendo o que pouparam para a universidade dos filhos, o que pretendiam gastar na velhice. Essa sensação de insegurança alimenta a intenção de poupar, e não de consumir.
Para Senna, há quatro canais de influência adversa da crise na economia brasileira. O primeiro é o setor externo, com quedas nos preços e na demanda por commodities. O segundo é o crédito, mais caro e escasso. O terceiro é o consumidor, mais retraído. O último é o empresário, que está mais contido que os consumidores. “Neste cenário, será que a política monetária será eficaz? Eu não tenho certeza de que ela está garantida num ambiente de expectativas ruins. Será que, reduzindo os juros, o empresário, que está reticente, vai comprar máquinas e aumentar seu investimento? Será que os consumidores vão correr atrás do crédito? Acho que o cavalo, aqui, pode se inclinar um pouco mais, mas não sei se ele bebe a água toda.”
Segundo o economista, o momento é de ter prudência, para não dar o passo maior do que as pernas. O governo deve agir no todo, de forma eficaz, e não ficar contando com a tal mala de instrumentos monetários, que pode resolver tudo de uma hora para a outra com decisões do Banco Central.