OPINIÃO
Não é por acaso que o socorro às “Três Grandes” de Detroit — GM, Ford e Chrysler — enfrenta uma tramitação lenta no Congresso americano, diferente da pressa com que o pacote de socorro ao sistema financeiro transitou no Capitólio. O impacto, positivo ou negativo, da indústria automobilística na renda e no emprego de qualquer economia industrializada, e principalmente na americana, justifica cuidados especiais com o setor.
Mas uma crise sistêmica financeira é bem mais grave. Tem a mesma dramaticidade de uma doença em fase terminal. A paralisação do sistema de financiamento globalizado no dia 15 de setembro, na quebra do Lehman Brothers, propagou tamanhas ondas de choque que o mundo, mesmo com a posterior recuperação de parte do fluxo de crédito, desce inexoravelmente a rampa de uma recessão que só poderá ser dimensionada, com alguma segurança, nos primeiros meses de 2009.
Pode ser urgente alguma ajuda a Detroit, mas não é emergencial como foi no caso de Wall Street.
Tanto que a negociação política tem sido mais dura entre o Congresso e a Casa Branca.
Ontem pela manhã, em Washington, dava-se como quase certo um acordo pelo qual a Câmara dos Representantes aprovaria uma primeira linha de ajuda, de US$ 15 bilhões.
Persistia, porém, um bolsão republicano de resistência no Senado. E, mesmo que a Câmara viesse a aprovar ainda ontem à noite o pacote, previa-se mais alguns dias para o Senado dar o sinal verde final. Se é que dará.
Há mesmo sérias e justificadas dúvidas se a melhor alternativa não será as montadoras entrarem em concordata (“Capítulo 11” da legislação americana), para se reorganizarem em bases de fato competitivas, sem gastar o dinheiro do contribuinte, já convocado para manter bancos em pé.
O modelo em discussão em Washington prevê a nomeação pelo governo de um “czar”, com poderes inclusive de encaminhar as empresas para a concordata.
Mas é esta intervenção estatal no setor que leva a se suspeitar da inviabilidade da operação, pura perda de dinheiro público. Há experiências que fundamentam o pessimismo.
Na Inglaterra, mesmo na gestão de Thatcher, defensora do livre mercado, o governo resolveu salvar a British Leyland, dona das marcas MG, Rover, Land Rover e Jaguar.
Não deu certo, apesar dos 11 bilhões de libras, a preços atualizados, despejados na companhia. Todo o esforço estatal foi incapaz de dar à empresa a mesma competitividade de outros grupos, principalmente asiáticos.
O Estado não pode tudo. Uma coisa é socorrer bancos — que, por definição, não podem fechar.
Saneados, eles voltam a operar normalmente, enquanto os acionistas contabilizam seus prejuízos.
Outra, atuar num mercado de acirrada disputa, mudanças tecnológicas e gerenciais rápidas.
Apenas dinheiro do contribuinte não resolve.
Entrevista:O Estado inteligente
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