Humor
Ela está pagando tudo
E nem é com o dinheiro do senador: Katiuscia Canoro, em
versão Lady Kate, ganha o público dentro e fora da Globo
Bel Moherdaui
Divulgação/TV Globo |
UM BRILHO SÓ Todos os fulgores no figurino da falsa lady, que na vida real prefere tênis, jeans e camiseta |
Pense numa mulher loira, siliconada, decotada e maquiada, coberta de jóias, com um personal stylist para chamar de seu e sustentada por um senhor rico. Acertou quem pensou nos inúmeros e exuberantes exemplares de loiras falsas, embora peruas verdadeiras, que se multiplicam país afora. Mas, para chegarem aos pés (sempre enfiados num salto 15) de Lady Kate, elas têm de arfar muito os implantes tamanho GG. A personagem da televisão sobre a qual todo mundo comenta é o epítome de todos os exageros femininos já inventados e ainda por inventar, apimentados pelos arroubos de novíssima-rica. "Tô pagando" é o bordão contagiante que acompanha as piadas de Lady Kate, no ar desde abril no programa Zorra Total, na Globo. "Dinheiro eu tenho, só me falta-me o gramur", repete a cada sábado a ex-menina pobre, egressa do casarão cheio de quartos de uma certa madame Sofia. O dinheiro, no caso, vem de um senador corrupto, que apropriadamente nunca aparece – tudo é feito para Lady Kate brilhar. E é exatamente o que tem acontecido com a personagem, invenção da atriz curitibana Katiuscia Caroline Canoro (nome verdadeiro, acreditem, inspirado em uma heroína de fotonovela), 30 anos completados nesta semana, cabelo liso na altura dos ombros, pouquíssima maquiagem, 1,64 metro de altura, jeito de menina, enfim, o exato oposto da fulgurante emergente da Barra da Tijuca. De quem, aliás, confessa certa inveja. "Vestida de Lady Kate, eu me acho linda, poderosa, a rainha da cocada preta. Canto todo mundo no estúdio", brinca.
Katiuscia já foi maquiadora, cabeleireira, babá, faxineira, vendedora de loja, de curso de informática e de agência funerária, imigrante ilegal nos Estados Unidos. Para completar o currículo multidisciplinar, fez tererê em feira hippie e trabalhou na agência de viagens do pai. Há dezesseis anos, vem intercalando tudo isso com o teatro. No palco, fez Shakespeare, Heiner Müller, Machado de Assis, musical e peça infantil – em geral somando à interpretação uns bicos de iluminação, figurino e cenário. Como o país inteiro hoje constata, sua verdadeira vocação é a comédia. Lady Kate nasceu no Zorra Total, mas é produto dos esquetes satíricos que a atriz faz no teatro, carregados de um pessoalzinho politicamente incorreto, gente como a assistente social preconceituosa, a ciganinha cega explorada pela mãe e a prostituta pobre Bruna Moribugui, autora de O Doce Veneno da Lagartixa – esta, justamente, a personagem que lhe abriu caminho para a Globo, ao ser vista pelo diretor Mauricio Sherman. "Quando ela começou a ensaiar aqui, no fim do ano passado, não era uma novata que eu tinha descoberto. Era uma atriz preparada, talentosa, inteligente e observadora. Sua ascensão foi uma das mais rápidas nestes meus dez anos de programa", elogia Sherman.
Katiuscia se diz plenamente integrada ao humor escrachado, embora na TV só contribua com palpites e improvisos nos textos, que são escritos por uma equipe que sabe muito bem quem é o público-alvo. "O Zorra não é para mim, nem para você, é para todo mundo. Não é um humor sofisticado, mas faz muito sucesso", diz a comediante. E de onde vem a inspiração para Lady Kate? "Ela não foi inspirada em uma pessoa só. Vem de pessoas que existem, com quem eu convivi, e de outras que eu nem conheço. É uma caricatura carioca. Existem muitas Lady Kate no Rio de Janeiro. Outro dia minha maquiadora contou que alguém falava ‘babylóide’, em lugar de debilóide, e eu incorporei imediatamente. Eu mesma já ouvi ‘Jesus Craime’ (Jesus Christ) e ‘ô mai gof’ (oh, my God). Parece exagero, mas as pessoas falam assim mesmo." Como se espera da criadora, há também amor pela criatura. "Lady Kate é absolutamente alucinada, sem coordenação motora, ignorante, sem cultura, não entende nada de nada, mas tem bom coração: sempre protege os amigos", diz Katiuscia.
O convite para o humorístico veio acompanhado de contrato de um ano com a Globo, que o sucesso da personagem fez com que fosse renovado por outros dois. Com a renovação, cresceram o salário (agora fixo, no fim de todo mês), o público das suas peças e o reconhecimento na rua. "Foi um ano de muita mudança. Tenho plano de saúde pela primeira vez na vida", comenta, genuinamente satisfeita. Para quem já representou para platéia de dez pessoas, hoje a rotina é lotar os teatros em que se apresenta com a amiga Fabiula Nascimento (protagonista do filme Estômago). O reconhecimento inclui inevitáveis e infindáveis fotos (até, certa vez, num pronto-socorro, ardendo em febre) e, claro, cantadas pouco sutis. "Em geral, o homem que mexe comigo é grosseiro, acha que está falando com a Lady Kate", reclama. Aos educados interessados: Katiuscia nunca foi casada, não tem nenhum senador e sequer namora no momento. Mas anda muito satisfeita de estar pagando, sem grande esforço, o aluguel no fim do mês e as despesas do carro que divide com a irmã.
A montagem da perua
De estilo moderno e desencanado, a comediante demora uma hora e meia para virar a exageradíssima Lady Kate, com a ajuda de cinco pessoas e mais:
• no cabelo, dois apliques loiríssimos, um de franja, outro de cascata de cachos n na maquiagem, sombra e batom nos tons mais resplandecentes da paleta
• na comissão de frente, dois sutiãs com silicone sobrepostos (o tal peito de "prástico")
• no figurino, tudo muito justo, muito curto e muito reluzente; e salto 15
• na decoração, cinco pulseiras em cada braço; anelões nas duas mãos; três a seis colares e brincões de ferver as orelhas