Entrevista:O Estado inteligente

sábado, dezembro 13, 2008

Governador é preso vendendo vaga no Senado

O PRIMEIRO ESCÂNDALO

Quando tudo parecia ir tão bem, apesar de
a economia ir mal, Obama se equilibra no meio
de um caso de corrupção no seu berço político


André Petry, de Nova York

Randy Squires/AP
A AMIZADE É LINDA
Obama com o governador, quando isso não era crime: assessoria em 2002 e apoio em 2006

"(A cadeira de Obama no Senado) é uma p.... coisa valiosa. Ninguém larga isso em troca de nada. Vou segurar, é uma chance real. Vou fazer uma barganha pesada."
Rod Blagojevich, 52 anos, governador de Illinois desde 2003

"É um dia triste para Illinois."
Barack Obama, 47 anos, presidente eleito dos Estados Unidos

Falta pouco mais de um mês para que o presidente eleito Barack Obama se instale na Casa Branca, mas é como se seu governo já tivesse começado – para o bem e para o mal. Diante da notícia de que só em novembro os Estados Unidos perderam meio milhão de empregos, Obama, tal como um presidente no exercício do cargo, prometeu lançar o mais ambicioso plano de obras públicas dos últimos cinqüenta anos, com o objetivo de reanimar a economia. Coisa fina, que não se limita a remunerar gente consertando ponte e estrada. Sua idéia é modernizar, abrindo vagas tecnológicas e ecológicas. Na semana passada, outra vez como se fosse presidente, Obama recebeu duas más notícias. A primeira foi a rejeição pelo Congresso do plano de 14 bilhões de dólares para salvar a indústria automobilística. GM e Chrysler podem ir à lona antes da posse de Obama – a Ford, que completa a tróica de gigantes, diz que ainda consegue respirar sem ajuda oficial. A recessão americana é uma preocupação para Obama, e para o mundo, mas é um desastre herdado do governo Bush. A má notícia capaz de lhe tirar o sono e encolher sua estatura política ainda antes da posse é outra, e foi produzida no seu domicílio eleitoral e por seus correligionários: trata-se do espetacular caso de corrupção do governador de Illinois, Rod Blagojevich, de 52 anos.

Depois de uma investigação meticulosa, o FBI divulgou um documento de 76 páginas narrando as peripécias do governador. É um guia da corrupção. Mesmo que tivesse acontecido no Palácio dos Martírios, em Maceió, ainda assim seria um negócio de cair o queixo. Com dois grampos ambientais e um grampo telefônico, em menos de dois meses o FBI flagrou o governador em três categorias de corrupção explícita. Na primeira, Blagojevich, que fala um palavrão por minuto, tenta vender ações do governo em troca de dinheiro para sua campanha. Num caso, diz que só vai liberar 8 milhões de dólares para um hospital infantil se receber 50 000 dólares para seu caixa eleitoral. Noutro, a condição para aprovar um negócio na burocracia do estado é o recebimento de 100 000 dólares. Noutro ainda, oferece 1,8 bilhão de dólares do tesouro do estado para investir em estradas, pede 500 000 em pagamento e diz que poderia investir até mais, mas prefere ver como os empresários "vão se comportar até o fim do ano". Na segunda categoria de achaque, o governador chantageia o jornal Chicago Tribune, que vinha pedindo seu impeachment. Ele exige a demissão de editorialistas, sob pena de cancelar a assistência do governo a um negócio do jornal. A terceira modalidade de bandalheira é a mais cênica: Blagojevich leiloa, na base do quem-dá-mais, a vaga aberta por Obama no Senado.

Brian Kersey/AP
ELA É UMA FERA
Patricia, mulher do governador: em público, é mansa. Nos grampos, uma leoa acuada


Nos Estados Unidos, não existe a figura do suplente de senador, como no Brasil. Quando se abre uma vaga no Senado, a lei admite que cada estado escolha entre três alternativas: o governador nomeia o sucessor, convoca-se uma eleição especial ou um modelo híbrido, em que o governador faz a nomeação até que a eleição especial seja realizada. A maioria dos estados escolheu a saída de Illinois: o governador nomeia e, na primeira eleição geral à vista, o eleitor escolhe o novo senador. Pode parecer esdrúxulo que nem todos façam eleição especial, mas há explicações razoáveis para dar esse poder ao governador. Nos EUA, o deputado é eleito pelo distrito, mas o senador é escolhido por todos os distritos do estado, e o voto não é obrigatório. "Eleição especial é mais democrática, mas tem custo alto, porque é feita em todo o estado, e tem baixo comparecimento às urnas, o que tende a produzir escolhas ruins", disse a VEJA John Mark Hansen, diretor da faculdade de ciências sociais da Universidade de Chicago. "Além disso, a demora em preencher a vaga de senador prejudica o estado. O deputado é um entre 435, mas o senador é um entre 100."

Com esse poder na mão, o governador de Illinois começou a barganhar a vaga de Obama antes da eleição presidencial, deixando sempre claro que tinha um trunfo financeiro. "É uma p... coisa valiosa", disse, em conversa grampeada. "Ninguém larga isso em troca de nada. Vou segurar, é uma chance real. Vou fazer uma barganha pesada." E como! Em múltiplos diálogos, o governador pediu de tudo: cargo de embaixador, posto de ministro, vaga em ONG sindical e em fundações, nas quais dizia que Obama podia mandar "um tipo como Warren Buffett" jogar uns "10, 12, 15 milhões de dólares" – ou então ameaçava ficar ele mesmo com a cadeira no Senado. Negociou emprego no setor público e no setor privado. Pediu vaga em conselho de administração para sua mulher, Patricia, uma loira mansinha em público mas uma leoa acuada em privado, como mostram as gravações em que exige a demissão do pessoal do Chicago Tribune. Disse que ela precisava ganhar uns 150 000 dólares por ano. Numa conversa, o governador se abre: "Eu quero é ganhar dinheiro". No seu caso, o salário tinha de ser entre 250 000 e 300 000 dólares por ano. Nos diálogos, fica claro que Blagojevich negociava, ou pretendia negociar, com seis candidatos. De um deles, tratado sempre como "candidato 5" e identificado como o democrata Jesse Jackson Jr., filho do pastor e líder dos direitos humanos, fica subentendido que queria 500 000 dólares numa tacada só.

Obama aparece muito bem no grampo. O governador o xinga abertamente e, numa passagem, faz um desabafo que soa como elogio ao presidente eleito e seus assessores: "Eles não estão querendo me dar nada além de gratidão. F... eles!". Mas isso não é tudo. Chicago, a cidade onde escoa todo esse esgoto de corrupção, é o berço político de Obama. É ali que está instalado o quartel-general de sua equipe de transição. É ali que Obama mora. Em 2002, quando concorreu ao primeiro mandato, o governador teve a prestativa assessoria de Obama. Em 2006, na reeleição, já havia sinais sólidos de que Blagojevich era um larápio, mas Obama voltou a apoiá-lo. Além disso, um dos operadores da bandidagem do governador é o picaretaço Antoin Rezko, já condenado por dezesseis acusações de corrupção e esperando sentença para ir em cana. Rezko ajudou Obama a comprar sua casa em Chicago e também já arrecadou dinheiro para suas campanhas, numa proximidade tenebrosa. Obama garante que não negociou sua vaga com o governador, mas um de seus principais assessores, David Axelrod, dissera antes, quando isso não tinha implicação criminosa, que Obama vinha conversando com Blagojevich. Na semana passada, Axelrod disse que se enganara. Dos seis candidatos à vaga de Obama, também foi identificado o "candidato 1". Tudo indica que seja Valerie Jarrett, amiga de longa data dos Obama, que chegou a ser cogitada para o cargo até o presidente eleito dizer que preferia tê-la como auxiliar na Casa Branca, e não no Congresso. Será que Valerie Jarrett ou seus representantes entraram na ciranda de corrupção do governador? As dúvidas que persistem precisam ser esclarecidas, porque o que realmente importa é saber se Obama passou pelo esgoto sem se sujar.

Scott Olson/Getty Images
SEMPRE EM CHICAGO
O sorridente é Antoin Rezko, o de chapéu é Al Capone: qualquer semelhança não será mera coincidência

Desde os tempos de Al Capone, Chicago tem fama mundial de ser uma cidade corrupta, espalhando suas práticas criminosas para todo o estado de Illinois. Rod Blagojevich é o sétimo governador de Illinois a ser preso ou indiciado por corrupção na história política do estado. Seu antecessor, o republicano George Ryan, cumpre hoje pena de seis anos e meio numa cadeia no estado de Indiana. Ryan roubava até em emplacamento de caminhão. "Há muito tempo existe a cultura na política de Illinois de que o dinheiro compra acesso e influência, e a lei fez pouco para melhorar isso", disse a VEJA Dennis Hutchinson, professor de direito da Universidade de Chicago e autor de um livro premiado sobre o ministro Byron White, da Suprema Corte, do qual foi assessor jurídico. Apesar da fama e do histórico, Illinois não é considerado o estado mais corrupto dos Estados Unidos. Tradicionalmente, as apostas se dividem entre Louisiana e Mississippi. (Louisiana teve um governador que, falando em uma universidade, nos anos 30, declarou-se ladrão e benemérito: "Eu roubo dinheiro, mas muito do que roubei acabou em pontes, hospitais e até na construção desta universidade".) Illinois, ainda que não seja o campeão nacional em corrupção, é certamente um competidor de peso. No meio do tiroteio da semana passada, como acontece em lugares assolados pela corrupção, o governador disse que ficaria no cargo. Foi pressionado por republicanos e democratas a renunciar ou se afastar, mas resistiu. "Não fiz nada de errado", alegou. Com certeza, é assim que pensa Blagojevich. Afinal, no julgamento que condenou o picaretaço Antoin Rezko, há dois anos, surgiu a suspeita de que até a filha do governador recebeu dinheiro de fornecedores. A menina tinha 7 anos de idade.

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