Entrevista:O Estado inteligente

sábado, dezembro 06, 2008

Estados Unidos Governo Obama: mais do mesmo?

Este é o time da mudança?

Obama escolhe auxiliares que já atuaram
no centro ou na periferia do poder. Juntos,
eles têm 143 anos de experiência


André Petry, de Nova York

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Quadro: O time de Obama

O presidente eleito dos Estados Unidos, Barack Obama, está montando sua equipe de governo com uma rapidez inédita na história recente – e os primeiros sinais do que será sua administração oscilam entre o pragmatismo e a ambigüidade. Há duas semanas, Obama deixou de lado a retórica mudancista da campanha e anunciou seu time econômico, todo ele formado por profissionais experientes e respeitados. Na segunda-feira passada, foi a vez da equipe de segurança e política externa. Outra vez, Obama enrolou a bandeira da mudança. Optou pela experiência de Robert Gates, secretário de Defesa do presidente George W. Bush, que seguirá no cargo, e pelo brilho estelar de Hillary Clinton, a nova secretária de Estado. São escolhas que primam pela estabilidade e pelo realismo. Mas, somando-se os anos de poder de todos os auxiliares que estavam no palco na segunda-feira, a conta bate em 143 anos. Quase um século e meio de política, lobby e mando. É um dado desorientador para o eleitor que votou em Obama confiando no seu slogan "a mudança em que você pode acreditar". É como se o Brasil elegesse um presidente jovem e inovador que, ao apresentar sua equipe, se saísse com novidades do quilate de Henrique Hargreaves, Dorothea Werneck e Reinhold Stephanes, que parecem ser ou ter sido ministros desde criança.

Como o governo nem começou, é cedo para saber se o discurso da mudança era só blablablá eleitoral. Até agora, a mensagem é ambígua. Obama tem-se inspirado no passado – o governo de Bill Clinton (1993 a 2001). Lawrence Summers, seu principal assessor econômico, foi secretário do Tesouro de Clinton. Bill Richardson, indicado para o Comércio, foi secretário de Energia de Clinton. O sinal mais cristalino dessa vertente é a nomeação de Hillary. Com 61 anos, essa monoglota de inteligência aguda que já visitou 82 países ganhou identidade política própria. Ela trabalha duro, é amada e odiada em doses cavalares, e tem personalidade forte. Ainda assim, seu nome sempre remete ao governo do marido. Como casal, Hillary e Bill formam uma máquina que fareja o poder com a disciplina devoradora do tubarão atrás de sangue. Entre a política estadual e a nacional, eles estão no pedaço há três décadas. Para que Hillary pudesse ser secretária de Estado, Bill aceitou fa zer nove concessões. Até concordou em desacelerar as palestras no exterior (400 000 dólares a hora) e remover um pouco da sombra que paira sobre seu esquema de arrecadação de dinheiro mundo afora para sua fundação (já recolheu meio bilhão de dólares). Para abrir caminho à mulher, Bill faria, como ele mesmo disse, qualquer coisa que Obama pedisse. E fez. O negócio era Hillary chegar lá. E ela chegou lá.

À primeira vista, a nomeação mais perturbadora para os eleitores de Obama que apostaram na mudança é a de Robert Gates. Com uma carreira construída entre a CIA e o Conselho de Segurança, Gates é um veterano do poder e, em dezembro de 2006, assumiu como secretário de Defesa de Bush. Desde que o cargo foi criado, há mais de sessenta anos, será a primeira vez que seu titular passará de um presidente ao outro, num extraordinário espetáculo de continuísmo. E será logo na passagem de Bush para Obama. E logo durante a Guerra do Iraque, conflito que Bush deflagrou e defende com tanto entusiasmo e que Obama transformou em seu saco de pancadas predileto. O contraste entre o que Obama disse em campanha e o que está fazendo depois de eleito remete às críticas do então candidato Luiz Inácio Lula da Silva à política econômica de Fernando Henrique na campanha de 2002. Pedro Malan, o ministro da Fazenda, foi demonizado como símbolo de uma política então denunciada como hostil com o povo e afável com os banqueiros. Depois que assumiu, Lula limpou a área dos petistas que palpitavam e entregou tudo na mão de quem entendia do assunto – e, como se sabe, manteve a política econômica tal e qual. Visto de longe, Obama parece inclinado a fazer o mesmo. Em vez de recorrer a um democrata com retórica incandescente contra a guerra no Iraque mas sem experiência, preferiu a garantia e a estabilidade de manter Robert Gates.

Fotos Muhammed Muheisen/AP e Dida Sampaio/AE

CAMINHOS IGUAIS?
Em campanha, Lula foi um crítico ácido da política econômica de Pedro Malan (abaixo), mas não mudou nada depois que assumiu. Obama também bateu duro contra a guerra do Iraque. Já decidiu manter o secretário de Bush, e será que também não mudará nada?

A diferença óbvia entre os dois casos é que Lula estava certo em manter a política econômica. Obama estará errado se mantiver a política arrogante e belicista de Bush. Apesar da permanência de Gates, as suspeitas de que Obama estaria consumindo um matrimônio com o bushismo não têm muita consistência. Gates é um homem de diálogo e já trabalhou sob governos republicanos e democratas. Na administração Bush, ele tem sido uma das poucas vozes a defender a retirada, serena e calculada, das tropas americanas do Iraque e faz questão de dizer que, mesmo diante de um celerado como o presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad, a diplomacia precisa vir antes da força. Além disso, especula-se que Gates ficaria no cargo só até o novo governo tomar pé da situação. Talvez por isso o anúncio de que ficará no cargo não tenha provocado protestos entre os democratas que sempre se opuseram à guerra. Christopher Preble, estudioso de política externa do Cato Institute, influente entidade de Washington que se define como "libertária", foi uma voz de crítica isolada. Preble escreveu que as escolhas de Obama "sugerem que teremos simplesmente mais do mesmo".

"A essência do que Obama prometeu não mudou. A questão, portanto, é saber se as pessoas que ele escolheu serão capazes de executar a agenda da mudança", disse a VEJA o cientista político Ira Katznelson, da Universidade Columbia, e presidente da Associação Americana de Ciência Política no biênio de 2005-2006. "Até agora, tudo indica que eles vão executar a agenda, incluindo a retirada das tropas do Iraque. A equipe de Obama é experiente e eficiente, mas caberá ao presidente definir os termos e o ritmo das mudanças." Quem espera mudanças radicais, claro, ficará decepcionado. Na campanha, os adversários republicanos pintaram Obama como "comunista, amigo de terroristas e muçulmano", coisas que, fossem verdadeiras, estariam neste momento colocando o mundo em polvorosa. Obama não é nada disso. Para completar, a força das instituições americanas é tal que ninguém chegaria à Casa Branca e faria o que quisesse, nem se fosse comunista, terrorista, muçulmano. O presidencialismo americano nasceu com a noção de accountability, da prestação de contas, o que o aproxima da constante vigilância sobre o governante que acompanha o parlamentarismo europeu. Ao contrário do que sugerem as águias douradas e as colunas dóricas, não há nada de substancialmente imperial na Presidência americana. Quem está no Salão Oval tem poderes imensos, os maiores do mundo, mas a latitude de sua ação é limitada pela Constituição, pela opinião pública, pelo lobby legítimo, pela tradição, pela força institucional. Assim, Obama pode ser ambíguo ou pragmático, cercar-se de gente jovem ou experiente. Só não pode – e essa é uma grata segurança para o mundo – virar a mesa.

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