Impunidade político-eleitoral e tolerância presidencial guardam relação direta com a descoberta de condutas reincidentes nos personagens dos escândalos de 2005.
Três anos depois, Marcos Valério – réu no processo do mensalão em curso no Supremo Tribunal Federal – é pego pela polícia prestando assessoria a empresários interessados em se livrar de multas da Receita por meio de inquéritos fraudulentos para desmoralizar agentes da fiscalização.
Agora, Enivaldo Quadrado, um dos acusados de integrar a mesma “organização criminosa” denunciada pelo Ministério Público ao STF, é preso no Aeroporto de Cumbica com euros costurados na cueca. Trocou a moeda (dólar), mas manteve a tecnologia utilizada por José Adalberto Vieira da Silva, assessor do deputado estadual do PT cearense, José Nobre Guimarães, flagrado pela Polícia Federal com US$ 100 mil escondidos na roupa de baixo.
Isso quer dizer, no mínimo, que a quadrilha, ou parte dela, segue em plena atividade. Isso depois de todo o baque de imagem e risco político provocados por aquela série de escândalos, em cujo curso o presidente da República chegou a pensar em abrir mão do mandato.
Ou seja, não foram fatos triviais.
Mas, como estratégia de salvação política, assim que a oposição deixou patente a interlocutores autorizados pelo Palácio do Planalto que não levaria a coisa adiante, os episódios foram tratados com estudada leniência para dar a eles um caráter quase corriqueiro.
Exemplo máximo disso foi a entrevista dada pelo presidente Luiz Inácio da Silva em Paris a uma jornalista autônoma, que entregou de brinde o próprio discernimento.
Ali, Lula instituiu o padrão a ser seguido: pôs todos os crimes em exame na conta do caixa 2 de campanha e desafiou os inocentes no ramo a atirarem a primeira pedra. Em resumo, disse que o que o PT fez todo mundo fazia.
Verdade, cuja disseminação generalizada seria de se esperar que o chefe da Nação condenasse, no lugar de tratá-la sob a ótica do mal necessário.
O eleitor, por sua vez, reclamou muito nos botequins, mas nas urnas não fez muito diferente nem mais bonito. Reelegeu quase todos os implicados, antes devidamente absolvidos (à exceção dos notórios José Dirceu e Roberto Jefferson) no Congresso, e deu margem ao enterro definitivo dos processos políticos sob a alegação da soberania das urnas.
Só o Ministério Público e o Poder Judiciário cumpriram à risca das leis os respectivos papéis. Na Justiça, o processo é demorado; no meio tempo entre a denúncia e a sentença, se não houver censura política, social (consistente) ou eleitoral, a convicção do réu é na impunidade.
Esteja ele convencido por conta das circunstâncias favoráveis ou entregue ao banalíssimo processo psicológico da transmutação da mentira pública em verdade íntima.
Pois bem, diante da aceitação tácita praticamente geral, malfeitores seguem seus destinos de malfeitorias até que esbarram em novos obstáculos.
O constrangimento inexiste, da parte de quem presta o serviço e do lado de quem contrata os préstimos do notório saber. Ou do saber dos notórios, melhor dizendo.
Dificilmente a reincidência ocorreria de forma tão acintosa se a autoridade maior do país tivesse manifestado condenação inequívoca. Ou mesmo se as autoridades constituídas na condição de representantes no Congresso tivessem sobreposto a força dos fatos às conveniências do espírito de corpo e se a maioria do contingente de representados possuísse uma noção mais consistente dos direitos e deveres inerentes ao exercício da cidadania.
Obras reabertas
Os dois presumidos adversários na eleição presidencial de 2010, PT e PSDB, a cada dia dão um passo para frente e dois para trás em relação à data ideal para a definição das respectivas candidaturas.
O mesmo Aécio Neves que logo após a eleição municipal defendia que os tucanos deveriam tomar a decisão o quanto antes, ontem informava que o partido “ainda tem uma longa estrada a percorrer” antes de decidir.
O mesmo PT que naquela encerrado o segundo turno de 2008 defendia a escolha de um nome o mais rápido possível e ensaiava um cerrar de fileiras em torno de Dilma Rousseff, ontem começou a falar em definições só no ano da eleição propriamente dita.
Ninguém quer fechar questão por causa dos efeitos ainda desconhecidos da crise econômica. Há quem ache que se piorar melhora e há quem considere que se melhorar piora.
Fora do terreno da crise, em ambos os partidos há também movimentos de resistência a candidaturas que se tornem inamovíveis.
Raposa
Concluído o julgamento sobre a reserva Raposa Serra do Sol – a ser retomado hoje –, finda a etapa da arbitragem, inicia-se a fase da mediação na qual o Executivo estará no centro da cena no exercício do poder moderador.