conta, a emissão de gases de efeito estufa per capita do Brasil é igual à dos países da Europa.
Mesmo sem o desmatamento, emitimos mais do que a China. Quem me disse isso foi o economista Nicholas Stern, autor do relatório que trouxe o tema da mudança climática para a economia. Eu o entrevistei na semana passada.
O Brasil tem uma visão de que ele é o mocinho na mudança climática. Stern não faz qualquer crítica ao país — pelo contrário, ele ressaltou o compromisso pelo desmatamento zero — mas dá números que revogam essa certeza brasileira.
Stern fez um relatório que mudou a compreensão do tema.
Virou “sir” e foi nomeado pela rainha Elizabeth II para a Câmara dos Lordes. Ele está rodando o mundo. Foi à China, veio ao Brasil, vai para a Índia. Está vendendo a idéia central do seu relatório: “É mais barato investir em evitar os efeitos das mudanças climáticas do que sofrer os impactos que elas trarão.” Ele mediu: custa 1% a 2% do PIB mundial ao ano investir contra as mudanças climáticas, e custará algo como 20% do PIB não fazer nada e sofrer as conseqüências de um aquecimento de 5o centígrados ao longo deste século.
Para qualquer pessoa que não seja especialista, isso é pouco e não parece assustar. “Na Rússia, inclusive, o presidente Putin acha que não é uma má idéia”, disse Stern num debate na Fiesp logo após a entrevista que me concedeu para a Globonews.
Cinco graus de aumento de temperatura média da Terra é uma enormidade. Para se ter uma idéia, a temperatura média da era do gelo era cinco graus abaixo da de hoje. Segundo Stern explicou, se houver esse pior cenário de aumento de cinco graus, e há riscos de que ele seja superado, haverá uma mudança radical no planeta, com eliminação das condições que permitem hoje a vida humana na Terra.
— A maior parte do gelo derreteria, causando transbordamento dos rios em várias direções. Haveria uma grande elevação do nível do mar. Algumas áreas ficariam submersas, outras virariam desertos. Grandes enchentes, secas devastadoras empurrariam milhões de seres humanos para migração em massa. Investir 1% a 2% do PIB mundial para impedir isso, como uma apólice de seguro, seria extremamente vantajoso — disse ele.
Stern acha que investir no combate à mudança climática, principalmente, ajudará a tirar o mundo da atual crise financeira internacional.
Ele diz que as novas tecnologias de produção de energia limpa, como eólica, solar, geotérmica e biocombustíveis, vão gerar emprego em massa.
— O crescimento como ele é entendido hoje, com alto nível de emissão de carbono, é que pode destruir o desenvolvimento, porque vai criar um ambiente tão hostil que destrói a possibilidade de desenvolvimento.
Com o mundo enfrentando sua pior crise financeira internacional, como o mundo vai investir tempo e dinheiro tentando evitar um risco de longo prazo, se há outros riscos mais imediatos? Foi o que perguntei a ele.
— Nós podemos unir as duas coisas. O que aprendemos com esta crise é que se demorarmos a combater os riscos eles aumentam.
Os riscos desta crise estavam presentes, mas não fizemos nada. Não deveríamos correr o mesmo erro.
Ele disse que o crescimento auto-sustentável é diferente desse criado por bolha, “quando compramos sites inacabados por preços estratosféricos, ou casas supervalorizadas”.
O novo desenvolvimento virá do desenvolvimento da nova forma de produzir energia, do investimento em ferrovias, na tecnologia de informação, novos automóveis.
A posição oficial do Brasil é que os países ricos é que emitiram o estoque de gases de efeito estufa que estão causando o atual aquecimento global e, por isso, o país não precisa ter metas contra emissões. Stern diz que esta parte do raciocínio é correto, por isso a maior parte do sacrifício tem que ser feito pelos países desenvolvidos.
Ele acha que os ricos têm que reduzir em 80% (isso mesmo, 80%!) suas atuais emissões desses gases. Mas Stern argumenta que a Humanidade só consegue atuar no fluxo. E quando se analisa o fluxo de emissão atual, o Brasil tem uma parte enorme. Os números: o Brasil, com o desmatamento, tem um nível de emissão per capita/ano de 11 a 12 toneladas. O que é o mesmo nível da Europa. Sem o desmatamento, cai para quatro toneladas, que é mais do que a China e o dobro do objetivo para o mundo, que é reduzir até duas toneladas por pessoa. Ele acha que os países desenvolvidos vão acabar aceitando metas.
— O Brasil fez uma generosa oferta ao mundo, de zerar o desmatamento na Amazônia até 2015, o que vai reduzir em mais de 50% as emissões brasileiras. Por isso, o mundo tem a obrigação de apoiar o Brasil na busca desse objetivo. Eu acho ótima a idéia de um Fundo para a Amazônia.
Mas por que deveríamos nos esforçar para proteger a Amazônia se os cientistas estão nos dizendo que o aquecimento global vai transformar a floresta num cerrado, de qualquer jeito? — Há uma boa chance de que isso não aconteça, se tomarmos as medidas certas.
Ele acha que, com o fim do governo Bush, acontecimento feliz ao qual brindou na Fiesp com um copo de água, haverá mais chance de um acordo global do clima, e ele tem muita esperança de que se avance no ano que vem, em Copenhague.
Stern foi economista chefe do Banco Mundial e eu perguntei a ele sobre a atual crise financeira e como combatê-la. Ele recomenda evitar o protecionismo que aprofundou a crise de 1929 e receita aumento dos gastos públicos. Falei do risco de alta de inflação.
— Essa é uma preocupação compreensível em tempos normais, mas não estamos em tempos normais.
Entrevista:O Estado inteligente
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