Para tanto, Santos pretende liberar R$ 100 mil aos governos estaduais que aderirem à proposta. Os demais gastos com investimento e custeio ficarão a cargo das Secretarias da Segurança Pública. Embora ainda não disponha de recursos para transferir esse valor, a Secretaria da Igualdade Racial, que é vinculada à Presidência da República, também está prometendo ajudar no treinamento e formação dos policiais que trabalharão nessas delegacias.
Ao justificar sua iniciativa, o ministro disse que a "delegacia do negro" funcionará nos moldes das delegacias da mulher. Além disso, ele espera que essas delegacias possam investigar crimes contra integrantes de outras minorias étnicas, como ciganos, judeus e participantes de "cultos afro-brasileiros". Para Santos, eles enfrentam dificuldades para denunciar ofensas racistas e pedir a abertura de boletins de ocorrência, nas delegacias convencionais, por causa do despreparo e da má vontade dos policiais civis. "A possibilidade de a denúncia dar em alguma coisa é pequena. A impunidade é a regra", diz ele.
Na realidade, a criação de "delegacias do negro" levaria a uma justaposição de órgãos públicos no setor de segurança, o que acarretaria desperdício de recursos sem qualquer ganho em matéria de eficiência administrativa. Além disso, a criação de "delegacias do negro" não está prevista na Proposta de Lei Orçamentária para 2009 que o Ministério do Planejamento encaminhou ao Congresso. Ou seja, nem o próprio governo a considerou prioritária.
Mesmo assim, o ministro Edson Santos quer mobilizar a "bancada negra" para pressionar a Comissão Mista de Orçamento a destinar verbas para seu projeto. Ele quer inaugurar as primeiras delegacias nos Estados com maior contingente de negros em sua população, como Bahia, Maranhão e Rio de Janeiro, no primeiro semestre de 2009.
O racismo, que é um delito inafiançável e imprescritível, foi incluído na legislação penal em 1951, com a Lei Afonso Arinos. Três décadas depois, a Assembléia Constituinte classificou os crimes raciais como ofensa aos direitos coletivos e às garantias fundamentais, na Carta de 88, o que tornou a legislação brasileira nessa matéria numa das mais avançadas do mundo.
Mas, com a justificativa de que essa legislação não bastava para coibir a discriminação racial, a partir da década de 90 alguns movimentos sociais começaram a defender a adoção de "políticas de ação afirmativa". O problema é que, justificadas em nome da promoção da igualdade racial e do resgate de uma suposta dívida histórica, essas políticas acabaram institucionalizando mecanismos discriminatórios. É esse, por exemplo, o caso da imposição do sistema de cotas raciais nas universidades públicas e privadas, cuja constitucionalidade está sendo discutida no Supremo Tribunal Federal.
Desde então, o País, que no passado podia orgulhar-se de sua miscigenação, apesar das desigualdades sociais, vem enfrentando uma espécie de racismo às avessas. A lei das cotas divide os brasileiros em brancos e negros. Todavia, como grande parte da população, se não sua maioria, é de mestiços, é difícil classificá-la racialmente sem recorrer a métodos autoritários e desprovidos de fundamentação científica.
É por essa e por outras razões que a proposta do ministro da Igualdade Racial não deve ser levada a sério. As "delegacias do negro" podem degenerar em focos geradores de um apartheid com sinal trocado.