Vejamos se a evolução da política fiscal favorece essa orientação. De janeiro a setembro, o setor público teve superávit primário de R$ 118,4 bilhões - equivalente a 5,59% do PIB -, ante 4,85% no mesmo período do ano passado. Poder-se-ia concluir que há margem para cumprir aquele objetivo, que se baseia não em reduzir as despesas, mas apenas o superávit primário.
O governo justifica a decisão em razão do resultado verificado nas contas públicas de setembro, que merecem, entretanto, uma leitura um pouco diferente daquela feita pelas autoridades.
O Tesouro destaca o fato, pouco comum para esse mês, de um superávit de R$ 3,863 bilhões, ante um déficit de R$ 2,343 bilhões em agosto - resultado aparentemente excepcional.
Mas, em primeiro lugar, houve o superávit nominal de R$ 3,718 bilhões do Banco Central (BC), fruto da desvalorização do real em relação ao dólar, que propiciou ao BC um lucro substancial nas operações de swap. Em segundo lugar, registrou-se um superávit muito grande das empresas estatais federais (R$ 3,020 bilhões), reflexo das exportações de petróleo a preço elevado. Finalmente, verifica-se que os juros nominais, que têm grande peso nas despesas nominais, caíram de R$ 18,7 bilhões, em julho, e de R$ 12,5 bilhões, em agosto, para apenas R$ 6,1 bilhões, em setembro. Esses três fatores sofrerão mudanças em outubro. Até agora, a Receita Federal se aproveitou de um forte aumento da arrecadação: segundo os dados divulgados na sexta-feira, as receitas aumentaram, em valor nominal, até setembro, 18,4% em relação aos nove primeiros meses de 2007. Enquanto o PIB apresentava elevação de 12,8%, as despesas cresciam 10,98%. E o próprio governo está prevendo uma retração das receitas em razão da crise.
O BC, por sua vez, não terá mais um ganho tão elevado nas suas operações de swap. A queda dos juros pagos se deveu mais às dificuldades de obter financiamentos do que a uma redução propriamente dita dos juros, que, ao contrário, aumentaram. Nos próximos meses, o Tesouro terá de aumentar a captação de recursos para compensar os gastos ligados à luta contra a crise. Se conseguir, será a um custo muito maior.
A prudência recomenda que, em vez de reduzir o superávit primário, seria urgente diminuir os gastos correntes.