Muitos dos maiores talentos em ascensão no gênero são
mulheres. Agora só falta seus colegas machistas admitirem o fato
Sérgio Martins
A GENERAL DA BANDA Esperanza Spalding, que lidera um grupo formado por quatro homens: uma batalha para eles reconhecerem que ela sabe o que está fazendo |
A cantora e compositora americana Esperanza Spalding foi um dos destaques de um festival de jazz e pop realizado no fim de outubro em São Paulo e no Rio de Janeiro. Esperanza interpretou canções de sua autoria e fez uma releitura de Ponta de Areia, de Milton Nascimento e Fernando Brant; alternou-se entre o baixo elétrico e o acústico e se esmerou no scat, aquele improviso vocal celebrizado por Ella Fitzgerald. Mas um detalhe chamou tanta atenção quanto seu incontestável talento: a jazzista comandou uma banda de quatro instrumentistas, todos homens. No mundo do jazz, isso ainda é raridade. "Há músicos que pensam duas vezes antes de admitir que sou uma boa baixista. Convencê-los das minhas qualidades como líder de banda é ainda mais complicado", disse Esperanza a VEJA.
Vanguarda musical por definição, os jazzistas são um bocado antiquados no que toca à presença feminina em seu meio. Cantoras sempre foram bem-vindas, e cantoras-pianistas também são toleradas, em especial quando fazem o gênero sexy – regra bem ilustrada pelo sucesso da canadense Diana Krall, que até a semana passada vinha se apresentando no Brasil. Mas a mulher que se arrisca a trabalhar como instrumentista corre o risco de ser rechaçada. O argumento mais comum – e tacanho – é que as moças não têm a mesma "pegada". A tese cai por terra quando se revê a história. Nos anos 30, já havia bandas de sopro femininas que tocavam com a mesma assiduidade e força que as masculinas. As mulheres também contribuíram para a evolução do gênero. Tome-se como exemplo a compositora e arranjadora Mary Lou Williams (1910-1981), autora de clássicos do repertório das orquestras de Benny Goodman e Tommy Dorsey, entre outros mestres do suingue. Aliás, hoje em dia, as mulheres são as grandes inovadoras do jazz. Entre elas, a regente e compositora Maria Schneider, que recentemente musicou os poemas de Carlos Drummond de Andrade; a trompetista Ingrid Jensen, que mistura jazz e música eletrônica; e a própria Esperanza, que combina soul music e MPB. Mas os comentários que elas ouvem continuam velhíssimos. Quando têm um bom desempenho, seus colegas dizem que até que tocaram bem para uma mulher. Já numa noite ruim, o veredicto é que, claro, tinha de ser uma mulher a estragar a apresentação.
Muitas jazzistas driblam esse machismo falando grosso e desafiando os companheiros de banda. Diana Krall é conhecida pela ferocidade com que cobra empenho dos seus músicos. No ano passado, num festival de jazz em Ouro Preto, Ingrid deu um nó em um naipe de trompetistas. "Ela estava ali como convidada. Ainda assim, ficou nos sabatinando para ver se estávamos no mesmo nível dela", diz o trompetista Junior Galante. Outras, como Maria, recorrem ao estilo maternal, persuadindo seus músicos com fala mansa e termos suaves – e arranjos intrincados. A desvantagem é que a moça banca a mãe deles também fora dos ensaios. "Tenho de lembrá-los das coisas mais banais, como levar o passaporte em uma viagem internacional", diz ela. Esperanza alterna estilos conforme a ocasião. Como líder, faz a linha durona e trabalha o dobro do que qualquer um de seus músicos. No palco, a atitude de general da banda dá lugar à de menina sorridente, sensual e companheira dos músicos. "Meu desejo é que as pessoas reconheçam meu trabalho, independentemente de eu ser mulher", diz. Pelo que mostrou na turnê brasileira, ela está longe de ficar só na vontade.
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