Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, agosto 06, 2008

Viagem inútil à Argentina editorial O Estado de S. Paulo





6/8/2008

A visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Argentina serviu somente para a renovação das juras de amor entre os dois vizinhos e para uma encenação de apoio à presidente Cristina Kirchner, enfraquecida politicamente depois de mais de quatro meses de conflito com o setor rural. Apesar da cálida oratória de Lula - tipo tudo nos une, nada nos separa -, nenhuma divergência importante foi eliminada e o Mercosul continua tão rachado quanto antes - e sujeito a fraturas maiores, se for oficializado o ingresso da Venezuela do inconveniente coronel Hugo Chávez, uma sombra freqüente nas viagens internacionais e promocionais de Lula.

Se o presidente brasileiro ambiciona retomar as negociações globais de comércio, levar adiante as conversações com a União Européia ou buscar um acordo com Washington, deve preparar-se para frustrações. O Brasil não pode negociar sem o Mercosul, porque o bloco é uma união aduaneira, mas também não pode negociar juntamente com o Mercosul, porque os sócios não sabem articular seus interesses. Isso foi provado, mais uma vez, às vésperas do colapso da Rodada Doha, e o principal objetivo de Lula em Buenos Aires foi dissipar ressentimentos criados nessa ocasião.

A disposição argentina de negociar sempre na defensiva foi reafirmada pela presidente Cristina Kirchner, durante a visita, em nome da proteção à indústria de seu país. O governo brasileiro também não renuncia à defesa de alguns setores, mas não há negociação sem troca de vantagens e o Itamaraty segue essa regra, na tentativa de salvar o acordo multilateral de comércio. Diferenças como essa reduzem muito as possibilidades de acordos importantes entre o bloco e grandes parceiros, mas, em vez de reconhecer esse fato, o presidente Lula pregou o aprofundamento do Mercosul.

“O Brasil não quer flexibilizar o Mercosul, mas o contrário”, disse numa entrevista ao jornal Clarín o assessor para assuntos internacionais, Marco Aurélio Garcia. A disposição brasileira, segundo ele, foi demonstrada pela renovação do acordo automotivo entre Brasil e Argentina, agora estendido a todo o bloco. Mas a nova prorrogação do acordo automotivo - mais um adiamento da liberalização do comércio setorial - apenas comprova os limites da integração.

Quase 300 empresários acompanharam o presidente Lula a Buenos Aires. Talvez daí venha a resultar algo útil para os dois países. Mas tanto os investimentos quanto as trocas têm crescido sem depender de visitas ou discursos presidenciais. Entre 2000 e 2007, o comércio bilateral expandiu-se 89,9%. As exportações brasileiras para a Argentina aumentaram 131,3% e o país se manteve até o ano passado como segundo maior parceiro do Brasil. Mas no mesmo período as vendas brasileiras para a China cresceram 880,4% e o mercado chinês passou de 12º para 3º principal destino dos produtos do Brasil - e sem nenhum acordo de liberalização comercial.

A agenda do Mercosul está praticamente congelada, os assuntos pouco mudam e os negócios do setor privado crescem não por obra e graça de ações governamentais, mas porque os empresários de algum modo contornam os obstáculos.

Durante a visita, empresários argentinos, com apoio das autoridades locais, voltaram a falar das famosas assimetrias, atribuindo-as em parte ao apoio recebido pelos brasileiros do BNDES. Mas a maior parte das empresas brasileiras, incluídas muitas exportadoras, pouco depende do BNDES. A diferença é explicável menos por esses financiamentos do que pelas tolices praticadas insistentemente pelo governo argentino, como o controle de tarifas e o protecionismo excessivo.

O resto é fantasia perigosa. Enquanto as tais assimetrias persistirem, o Mercosul não funcionará nem como zona de livre-comércio e a integração com o resto do mundo será limitada pelo temor de competir. Não por acaso, a iniciativa brasileira de buscar um acordo na OMC continua sendo descrita na imprensa argentina como traição. Quanto aos sócios do Brasil, “estiveram à altura e construíram uma estratégia própria” - palavras do Clarín. Em resumo, cabe ao Brasil ajustar seu ritmo de inserção na economia global à velocidade dos parceiros de bloco, pois aumentar a velocidade do Mercosul parece impossível.

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