Entrevista:O Estado inteligente

sábado, agosto 16, 2008

VEJA Entrevista: José Alencar

 
"Saudade de Minas"

O vice-presidente da República fala sobre sua luta
contra o câncer e diz que "o Brasil está com saudade
de Minas Gerais", referindo-se à sucessão presidencial


Fábio Portela

Ana Araujo

"Há dois meses fiz um exame e lá estava o tumor outra vez. Não é brincadeira"

O vice-presidente da República, José Alencar, luta contra o sarcoma, um tipo de câncer que ataca músculos, entre outros tecidos – no caso dele, nas costas. Depois de três cirurgias e séries de químio e radioterapia feitas nos últimos dois anos, Alencar é um paciente que, mesmo diante de diagnósticos negativos, sorri, anima a família e até os médicos. "Não penso na morte", diz. Aos 76 anos, o vice-presidente adora conversar sobre seu futuro político e acredita que ainda tem "três ou quatro" eleições pela frente. Fala e gesticula com vitalidade. Só a lentidão dos passos denuncia o impacto da doença e os efeitos colaterais dos tratamentos sobre seu corpo. Na semana passada, ele recebeu VEJA por três horas no Palácio do Planalto, contou piadas, tomou café... e fumou duas cigarrilhas.

Como está o seu quadro clínico?
No começo do ano, achei que tinha me livrado do câncer. Depois de passar por uma série de sessões de radiofreqüência, meus exames indicavam que não havia mais nem sinal de tumor. Minha família, meus amigos e eu estávamos todos muito satisfeitos. Mas há dois meses fiz um exame e lá estava um tumor. Desta vez, em outro ponto. Não é brincadeira. Tenho um tipo de câncer chamado sarcoma. Esse câncer é recorrente. Mesmo depois de extirpado, pode voltar.

As sessões de radioterapia serão retomadas?
Não. Vamos tentar um novo tratamento de quimioterapia, baseado em um medicamento espanhol recentíssimo, o Yondelis. É produzido por um laboratório chamado PharmaMar, que fez pesquisa nos últimos vinte anos no fundo do mar. Descobriu lá alguma coisa que serve de base para esse remédio. O medicamento dá resultados surpreendentes no tratamento do sarcoma. O problema é que há mais de cinqüenta tipos de sarcoma. Analisaram o material biológico do meu na Espanha e concluíram que ele é muito sensível ao princípio ativo do remédio. Fiz a primeira sessão com Yondelis há quinze dias. Ainda farei mais duas. Estou com muita esperança.

O senhor já havia se submetido a quimioterapia?
Já, no ano passado. Mas foi com outro medicamento. Como a quimioterapia faz cair os pêlos, raspei o bigode, que usei por muito tempo. Minha mulher e minhas filhas acharam que ficou muito melhor. 
A quimioterapia também causa queda de glóbulos vermelhos, glóbulos brancos, plaquetas e dá um cansaço grande. Mas não é nada que não possa ser superado.

Há quanto tempo o senhor luta contra o câncer?
Fui operado pela primeira vez de câncer em 1997, antes da minha primeira eleição para senador. Daquela vez, retirei tumores do rim e do estômago. Em 2002, quando já tinha aceitado o convite do Lula para ser vice, descobri um câncer na próstata. Também tirei. Em 2004 fui operado da vesícula. Nesse caso, não era câncer. Era só cálculo. Em 2006, no meio da campanha da reeleição, começou o sarcoma. Fui operado em Nova York pelo doutor Murray Brennan, um especialista nesse tipo de tumor. Onze meses depois, o sarcoma voltou. Ele reaparece no tecido muscular, sempre nas costas. No começo deste ano, fiz a radiofreqüência. Foram seis sessões de rádio, nas quais o tumor foi submetido por doze minutos a uma temperatura de quase 100 graus. São 72 minutos de fogo em cima dele. Todo mundo achou que ele tinha sumido. Mas voltou.

Quer dizer que em toda a sua vida política o senhor conviveu com um câncer?
A única eleição que disputei antes do câncer eu perdi. Foi em 1994, para governador de Minas. Em 1997, fui operado e, no ano seguinte, venci a eleição para senador. Em 2002, fui operado e virei vice. Em 2006, fui operado e reeleito. Nunca tinha relacionado uma coisa à outra. Pensando bem, se eu for operado de novo, é capaz de continuar ganhando eleições, não é?

O senhor realmente não se deixa abater...
Tenho fé em Deus. Um grande grego falou que não tinha medo da morte, tinha medo da desonra. Não me lembro se era Sócrates ou Péricles*. Digo a mesma coisa. Não penso na morte. O negócio é muito simples: todo mundo vai morrer. Por isso, não tem de ter medo. No dia em que Deus quiser me levar, não precisa nem de câncer. Você tem de ter fé em Deus e fazer a sua parte.

O que o senhor quer dizer com "fazer a sua parte"?
Obedecer rigorosamente ao oncologista. Seguir as ordens à risca. Pego todos os meus tumores em estado incipiente. Isso, aliás, todo mundo deveria saber: o fator mais importante no tratamento do câncer é o diagnóstico precoce. Tanto que pedi ao ministro José Gomes Temporão, da Saúde, para instalar na rede do SUS um aparelho chamado PET, que faz imagens da cabeça aos pés do paciente. Por menor que seja o tumor, ele detecta. É caro, mas temos de fazer um esforço. Porém, como eu digo, vice não manda, vice apenas pede.

O senhor mudou alguns hábitos pessoais por causa do câncer?
Não. Apenas deixei de beber vinho e uísque durante a quimioterapia. Não estou tomando bebida alcoólica, mas isso é porque a minha mulher não deixa, e encrenca comigo. Porque, vamos falar a verdade, uma taça de vinho não faz mal. Mas eu não estou tomando.

O senhor faz exercícios?
Faço. Todo dia.

O quê? Caminhada?
Não. Meu exercício é outro. Movimento os braços e as pernas. Mas é bom. Foi orientado por um professor de educação física. Aprendi as séries e faço em casa. Minha mulher acha graça. Diz que eu conto prosa e que não faço exercício coisa nenhuma. Mas faço.

O senhor está fumando?
São cigarrilhas. Mas todos os exames indicam que meu pulmão está limpo.

O senhor também fuma cigarros?
Fumei durante muitos anos, mas parei. Cigarrilha é diferente. Fumo uma, duas por dia. No máximo, cinco. E isso nas noites em que a gente dá uma esticada.

O presidente Lula gosta de uma cigarrilha, não é?
Foi ele quem me ensinou, aliás. Nós fumamos da mesma marca. É o nosso cachimbo da paz.

Vocês parecem ter ficado muito amigos, e as suas famílias também.
Somos muito ligados. Até do ponto de vista espiritual. Nossos objetivos maiores são os mesmos. A gente não se encontra mais nos fins de semana, porque a agenda dele é muito pesada.

Como é o presidente no dia-a-dia no Planalto?
Uma das qualidades mais extraordinárias dele é saber ouvir. Ele tem uma sensibilidade incomum. Consegue captar tudo o que está se passando. Politicamente, é um craque. Acho que não há nenhum outro como o Lula. Mais importante, talvez, é ele conhecer o Brasil como ninguém. Já viajou por todo o país várias vezes. Não há um canto do território que o presidente não saiba como é.

Que legado o senhor acha que o governo de vocês deixará?
O vice é só um coadjuvante. Não pode ser posto no mesmo patamar do presidente. O governo é do Lula – e é admirável. O maior legado será o prestígio que o Brasil passou a ter no exterior. Em todos os continentes, Lula é conhecido e admirado. Antes, quando um estrangeiro conhecia um brasileiro, dizia: "Viva Pelé! Viva Pelé". Agora, perguntam: "E o Lula?". No campo das relações externas, nunca houve um presidente que se aproximasse, ainda que distante, do trabalho que ele tem feito. Outra coisa importante é a acuidade com que Lula trata os problemas sociais. Ele tem uma marca de alta responsabilidade social. Isso vai ficar para o futuro. Uma das coisas que mais o realizam é essa melhora na distribuição de renda no Brasil. Esse crescimento da classe média brasileira, resgatando pessoas que estavam abaixo da linha da pobreza.

O que o senhor acha da idéia do terceiro mandato, que volta e meia surge entre os petistas?
A Constituição não permite. Mas a verdade – eu já falei e vou repetir – é que, se alguém perguntar o que o povo deseja, vai ouvir que o povo quer que o presidente Lula continue no poder. E por motivos óbvios: o bom desempenho da economia, a sensibilidade com os programas sociais, o apreço às camadas menos favorecidas da sociedade. Mas, para o presidente Lula, isso está fora de cogitação. Ele não topa de forma nenhuma.

Como a base aliada se comportará na sucessão, em 2010? Terá um só candidato?
O candidato do presidente da República será um só. Não pode haver dois. Como é que o presidente vai apoiar dois? Isso não existe.

O ex-ministro Ciro Gomes, por exemplo, sonha em ser candidato, mesmo sem o apoio do PT, e espera contar com algum apoio do presidente Lula.
Nós temos pelo Ciro a maior admiração, mas isso só ele pode responder. Estou dizendo que, se o presidente tiver candidato, será um, não serão dois. Isso é óbvio ululante. O presidente pode ter amizade com "n" candidatos, mas apoiará apenas um.

O presidente tem repetido que a candidata dele é a ministra Dilma Rousseff, da Casa Civil. O senhor a considera o melhor nome para a sucessão?
Se o Lula diz, foi ele que falou. Não posso fazer esse tipo de comparação. Ainda está muito cedo. A Dilma, apesar de muito ligada ao Rio Grande do Sul, é mineira. E o Brasil está com saudade de Minas.

Sempre que se fala em sucessão, e em Minas, fala-se no governador Aécio Neves, do PSDB. O senhor o considera preparado para ser presidente?
Já admirava o Aécio antes de ele nascer, porque fui amigo dos dois avôs dele. O avô paterno, que foi o deputado Tristão da Cunha, e o materno, que foi o presidente Tancredo Neves. O Aécio é um homem público bem-nascido. Possui todos os títulos para ser presidente. Agora, é claro que, se você faz uma análise de outros nomes de Minas, há muita gente além do Aécio que poderia ajudar a matar a saudade que o Brasil está sentindo de Minas Gerais.

Quem, por exemplo?
Patrus Ananias, o ministro do Desenvolvimento Social. Guarde bem esse nome. Ele será um grande político nacional. Ele é o responsável por um dos maiores sucessos do governo Lula, que é o Bolsa Família. É um moço de ouro.

E o senhor, que afinal também é mineiro, gostaria de ser presidente da República?
Veja bem, tenho 76 anos. Quando terminar o mandato, terei 79. O que é que eu posso querer mais da vida? No máximo, disputar mais umas três ou quatro eleições.

Mas poderia ser uma eleição para presidente?
Há muitos outros cargos que nunca ocupei. Por exemplo, não fui vereador na minha terra.

Qual é a sua terra?
Tenho muitas. Nasci em uma cidade, casei em outra... Minhas terras são muitas.

Muita gente diz que, se Lula quiser voltar em 2014, a melhor opção seria apoiar o senhor em 2010...
Eu ouço isso demais. Mas, em política, as coisas às vezes acontecem independentemente de você estar fazendo plano antecipado. Não significa que essa possibilidade já tenha passado pela minha cabeça. Não passou. Agora, se você perguntar a qualquer homem público se ele gostaria de ser presidente, e ele responder com sinceridade, vai dizer que sim. Eu posso afirmar que continuo sendo um soldado. Quando ingressei na vida pública, foi para valer. Não foi para botar um pé e sair. Ingressei confiante de que poderia ser útil ao meu país.

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