Medir para avançar rápido
O físico alemão que comanda os rankings de educação
da OCDE diz que o Brasil precisa copiar práticas que dão
certo em outros países para deixar de vez o grupo dos piores
Monica Weinberg
Paulo Giandalia | "O Brasil passou a ter chances de melhorar quando começou a mapear os problemas de maneira objetiva – e não mais com base na intuição."
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Nenhum indicador sobre a qualidade de ensino tem tanto peso e repercussão quanto o Pisa, sigla em inglês para programa internacional de aferição de estudantes, que está sob os cuidados do físico alemão Andreas Schleicher, 44 anos. Há oito, ele é o responsável pela aplicação da prova, uma iniciativa da OCDE (organização que reúne as trinta nações mais desenvolvidas do mundo). Na comparação com 57 países, o Brasil sempre aparece entre os últimos colocados em todas as disciplinas. Situação que Schleicher conhece não apenas por estatísticas mas por suas viagens ao Brasil. Desde que assumiu o cargo, ele já visitou escolas em mais de 100 países – rotina que o mantém sempre longe de Paris, onde mora com a mulher e os três filhos.
Os brasileiros apareceram, mais uma vez, entre os piores estudantes do mundo nos últimos rankings de ensino da OCDE. O que o senhor descobriu ao analisar as provas desses estudantes? Elas não deixam dúvida quanto ao tipo de aluno que o Brasil forma hoje em escolas públicas e particulares. São estudantes que demonstram certa habilidade para decorar a matéria, mas se paralisam quando precisam estabelecer qualquer relação entre o que aprenderam na sala de aula e o mundo real. Esse é um diagnóstico grave. Em um momento em que se valoriza a capacidade de análise e síntese, os brasileiros são ensinados na escola a reproduzir conteúdos quilométricos sem muita utilidade prática. Enquanto o Brasil foca no irrelevante, os países que oferecem bom ensino já entenderam que uma sociedade moderna precisa contar com pessoas de mente mais flexível. Elas devem ser capazes de raciocinar sobre questões das quais jamais ouviram falar – no exato instante em que se apresentam.
Depois de mais de uma década de avaliações, o senhor vê avanços no caso brasileiro? Os resultados, apesar de ruins, são sempre um pouco melhores em relação aos anteriores. Além disso, o Brasil passou a ter chance de avançar no momento em que começou a mapear os problemas de maneira objetiva – e não mais com base na intuição de alguns governantes. Isso é básico. Não dá para pensar em melhorar algo que não foi sequer dimensionado. Daí a importância da comparação internacional. Ao olhar os rankings, pais, educadores e autoridades podem começar a fazer comparações e constatar o óbvio: suas escolas estão bem atrás das dos países da OCDE.
O senhor costuma ser procurado por brasileiros insatisfeitos com os resultados? Isso acontece. Ao saberem do fiasco nos últimos rankings, alguns políticos e especialistas de mentalidade mais atrasada me ligaram revoltados. Diziam: "Vocês estão exigindo dos alunos que falem sobre situações distantes demais da realidade deles. É injusto". A miopia dessa gente a impede de enxergar que o fato de estudantes chineses ou americanos terem a resposta para tais questões não revela apenas um despreparo dos brasileiros, mas mostra também como eles estão em desvantagem na competição com os demais. Não são, no entanto, os únicos a reagir mal.
Quem mais reclama? Basicamente, todo mundo que não aparece no topo. Basta sair um ranking novo que meu telefone não pára de tocar. Apenas há pouco tempo, as autoridades passaram a usar esse medidor tão eficaz para aferir as próprias deficiências e apontar saídas com base em experiências que dão certo em outros países. Apesar de uma relativa abertura para observar o que se passa em escolas de outros cantos do mundo, espanta como a educação ainda é uma área tão pouco globalizada em sociedades tão modernas.
Por que outros setores são mais globalizados do que a educação? Ao ficarem circunscritos às suas fronteiras e resistirem à idéia de aprender com a experiência alheia, os países estão movidos por uma espécie de orgulho patriótico sem sentido. O pensamento geral é algo como: "Cada um sabe o que é melhor para suas salas de aula". Essa mesma lógica do isolamento intelectual se repete entre as escolas e, mais surpreendente ainda, entre professores de um mesmo colégio. Pergunte a um deles o que o colega da sala ao lado está fazendo para resolver um problema comum a ambos e ouvirá como resposta: "Não tenho a mais vaga idéia". Nesse cenário, a China é uma ótima exceção e já começa a colher os efeitos positivos.
"Os chineses não têm constrangimento em copiar o que funciona em outros países. Ao contrário: eles são movidos por isso. É uma das razões para progredir a uma velocidade tão espantosa, enquanto os brasileiros melhoram em ritmo mais lento" |
O que há de extraordinário no exemplo chinês? Os chineses não demonstram constrangimento em copiar o que funciona nos outros países. Ao contrário: eles são movidos por isso. Em uma visita à China, tive um encontro com o ministro da Educação e ele me surpreendeu ao revelar profundo conhecimento sobre a realidade de algumas das melhores escolas do mundo, como as coreanas e finlandesas. Trata-se de algo raríssimo de ver em qualquer outro país. A China, evidentemente, ainda tem muito que melhorar na educação – mas avança em ritmo veloz. Um novo estudo da OCDE traz um dado espantoso. Em 2015, haverá duas vezes mais chineses com diploma universitário do que na Europa e nos Estados Unidos juntos. Tudo indica também que logo esses estudantes terão acesso, em seu próprio país, a algumas das melhores universidades do mundo.
Por que a China e outros países em desenvolvimento estão à frente do Brasil? Antes de tudo, por um fator que pode soar abstrato e até demagógico, mas é bastante concreto: são países que decidiram colocar a educação em primeiro lugar. Isso se traduz em medidas bem práticas implantadas por alguns deles. Uma das mais eficazes diz respeito à criação de incentivos para tornar a carreira de professor atraente, de modo que passasse a ser escolhida pelos estudantes mais talentosos. Essa é uma realidade bem longínqua para muitos dos países em desenvolvimento, como o Brasil.
O fato de o salário do professor nesses países ser maior é decisivo para atrair os melhores alunos para as faculdades de pedagogia? Diria que esse é apenas um dos fatores – mas não o principal. O que faz estudantes brilhantes optar pela profissão de professor é, muito mais do que um salário acima da média, um ambiente em que eles têm o talento reconhecido e a capacidade intelectual estimulada. Além disso, são dadas a eles várias opções de carreira. Os professores podem se tornar diretores, como em qualquer outro país, mas também almejar diferentes funções longe da burocracia de uma escola: alguns atuam como uma espécie de consultor de ensino, com a tarefa de treinar os menos experientes, outros recebem a missão de desenvolver e adaptar currículos. O fundamental para eles é saber que terão mais de uma boa perspectiva nos próximos vinte anos.
Em geral, esses cargos que o senhor citou não existem nas escolas brasileiras... São funções típicas de países voltados para a idéia de proporcionar ambientes favoráveis ao aprendizado. Essa obsessão se vê o tempo todo no dia-a-dia de tais países. Durante uma viagem à Coréia do Sul, presenciei uma cena emblemática da preocupação das pessoas com o que se passa na sala de aula. Enquanto os estudantes faziam a prova para o ingresso na universidade, as principais avenidas de Seul ficaram fechadas para o tráfego. Quando perguntei ao funcionário do Ministério da Educação a razão daquilo, ele respondeu com naturalidade: "Estudo exige silêncio. Que os motoristas esperem".
A Coréia do Sul investe 7% do PIB na educação e o Brasil 5%. É preciso aumentar o orçamento brasileiro? Não necessariamente. É evidente que, na comparação com outros países, o Brasil não só investe pouco como, ainda, aplica a maior parte do dinheiro no pagamento de salários de professores. As pesquisas chamam atenção, no entanto, para um aspecto menos visível e mais relevante do problema: as verbas disponíveis são muito mal gastas. Com o atual orçamento, os brasileiros poderiam estar num patamar melhor.
Em sua opinião, como o Brasil faria melhor uso do dinheiro disponível? Reduzindo as altas taxas de repetência, por exemplo. Os estudos mostram que um aluno reprovado se torna 20 000 dólares mais caro para o estado. Dar a esses estudantes reforço na escola, de modo a evitar a reprovação, sairia bem mais barato. Trata-se de um claro sinal de ineficiência na gestão do dinheiro. Nessa velha ladainha sobre o aumento de verbas para a educação, as pessoas deixam ainda de lado outra questão bastante básica: de nada adianta aumentar o orçamento e continuar a investir num sistema velho e inoperante. É preciso lembrar, no entanto, que a má aplicação das verbas públicas no ensino não é uma exclusividade brasileira.
Por que o senhor diz isso? A educação é um setor com índices de produtividade declinantes no mundo todo: os custos só aumentam, ao passo que o ritmo de avanço na sala de aula é lento demais. Justamente o inverso do que ocorre com as grandes empresas privadas, que conseguem cortar gastos e produzir mais e melhor. Não recebo aplausos quando digo isso em minhas palestras. Tampouco faço sucesso ao afirmar que poucos setores são tão atrasados quanto a educação.
A que o senhor atribui esse atraso? Os professores ainda conduzem suas aulas guiados muito mais pelas próprias ideologias do que por conhecimento científico. Na prática, eles escolhem seguir linhas pedagógicas motivados por nada além de crenças pessoais e deixam de enxergar aquilo que as pesquisas apontam como verdadeiramente eficaz. Fico perplexo com o fato de a neurociência, área que já permite observar o cérebro diante de diferentes desafios intelectuais, ser tão ignorada pelos educadores. Pior ainda: os educadores são os maiores inimigos dessa ciência. Eles perdem um tempo precioso ao repudiá-la.
Como a neurociência pode ajudar na escola? Caso consultassem os neurocientistas, os pedagogos já saberiam, por exemplo, algo bem básico sobre o aprendizado de uma língua estrangeira: ele demanda uma imersão no idioma – impossível de ser alcançada com aulas esporádicas ou curtas demais, como é tão freqüente nas escolas. Essas aulas têm efeito próximo a zero, como já foi comprovado por meio da visualização da atividade cerebral. E o que fazem as escolas diante disso? Nada. A educação funciona hoje como a medicina 150 anos atrás.
Por que essa comparação? Os médicos trabalhavam no século XIX como um professor de hoje: solitários e movidos pela intuição. Tinham pouca clareza sobre a relação de causa e efeito entre os fenômenos sobre os quais se debruçavam. Numa visita a um hospital moderno, essas imagens do passado remetem à Idade da Pedra. Profissionais de diferentes currículos compõem equipes multidisciplinares, amparam-se em novas tecnologias e trocam informações o tempo todo. Se os Estados Unidos chegam a uma conclusão de relevo científico, logo ela é aplicada no Japão. Trata-se de um ambiente em permanente mutação. Nada que faça lembrar o que se passa em boa parte das escolas.
"As escolas de hoje aplicam conceitos idênticos aos dos colégios do século XIX. Elas se baseiam na divisão do conhecimento por áreas estanques e no treinamento dos alunos para a execução de tarefas repetitivas" |
Por que elas são tão antiquadas? A maioria das escolas ficou congelada no tempo desde o século XIX. Até hoje, elas aplicam conceitos idênticos aos daqueles colégios concebidos para tornar as pessoas compatíveis com a era industrial. Um de seus pilares é a divisão do conhecimento por áreas estanques e incomunicáveis. O outro é o treinamento para a execução de tarefas repetitivas. Enquanto focam demais em idéias do passado, as escolas deixam de mirar uma questão-chave e bem mais atual: o fundamental é que as pessoas aprendam a aplicar esse conhecimento em novas e avançadas áreas – e que não apenas o tenham armazenado. Alguns países já começam a entender isso. Os rankings da OCDE mostram que o Brasil ainda está um passo atrás.