Divergências e disputas entre as centrais desaparecem e elas se transformam numa única voz quando o negócio é conseguir mais dinheiro. Reportagem de Carlos Marchi, publicada na última quarta-feira no Estado, informa que as seis centrais se uniram, com o apoio do governo Lula, para apresentar ao Congresso projeto em que substituem o imposto sindical pela "contribuição negocial".
É trocar seis por meia dúzia? Não, caro leitor, é trocar seis por mais de uma dúzia inteira. Se hoje o trabalhador tem subtraído o valor de um dia de trabalho para pagar o imposto, vai passar a pagar 3,65 dias com a nova contribuição, se ela for limitada a 1% de sua remuneração anual como recomenda a Central Única dos Trabalhadores (CUT). O trabalhador com salário de R$ 1 mil paga hoje R$ 32,90/ano e passará a recolher R$ 120,00, se a taxa for 1% (a máxima), ou R$ 60,00, se for 0,5% (a mais baixa). Nas duas alternativas, o saque ao bolso do trabalhador é, no mínimo, o dobro.
Os dirigentes alegam que a nova contribuição precisará ser aprovada em assembléia, enquanto o imposto sindical é pago sem interferência alguma dos trabalhadores. Mas o diabo está nos detalhes: 1) as duas taxas são compulsórias e aplicadas a todos, não só aos que a aprovaram; e 2) sem exigência de um quórum mínimo, como está no projeto, o sindicato pode aprovar a contribuição em assembléia com presença de 50 pessoas e aplicá-la a 50 mil trabalhadores daquela categoria. O Sindicato dos Comerciários do Rio de Janeiro, por exemplo, cumpre rigorosamente a lei, realizando assembléias fantasmas com 40 participantes amigos que decidem por 200 mil.
A estrutura sindical herdada da era Vargas, com sindicatos, federações e confederações, continua inteira e ganhou duplicidade a partir de 1980, com a criação das centrais sindicais, que vivem batendo cabeça com federações e confederações. Tudo sustentado com dinheiro de impostos e dos trabalhadores. Antes existiam só a CUT e a Força Sindical, mas as centrais viraram seis quando o governo aceitou doar metade do que lhe cabia do imposto sindical. Hoje, elas recebem R$ 55,35 milhões do imposto e não há nenhum impedimento para que outras venham a ser criadas.
No regime capitalista, sindicatos são necessários e bem-vindos se defendem os interesses dos trabalhadores e atuam afastados da influência do governo e dos empregadores. Se seguir essa linha, o sindicato ganhará reconhecimento e seus filiados pagarão mensalidades voluntárias e merecidas. Assim acreditavam, há 30 anos, os sindicalistas do ABC paulista liderados por Luiz Inácio Lula da Silva. Para Lula, a extinção do imposto era fundamental para a liberdade sindical e independência do governo. Na Presidência da República, esqueceu, perdeu o interesse. Por que será?
Estudioso do assunto desde esse tempo, o economista José Márcio Camargo atribui a luta contra o imposto à disputa política com os sindicalistas pelegos da época: "A idéia era tirar o dinheiro dos pelegos e obrigá-los a se financiar com os filiados. Hoje isso acabou. Com o fim da inflação, os sindicatos enfraqueceram, as reivindicações são de 5% de aumento salarial e as empresas já dão isso. Hoje, só 10% dos trabalhadores estão sob a proteção dos sindicatos; os 90% restantes são lei de mercado. Desviar a luta sindical para outras reivindicações dá trabalho; o mais fácil é não depender do associado e levar o dinheiro público de graça."
Hoje as lideranças mudaram (para pior) e repetem métodos pelegos. Afinal, qual é a diferença entre os atuais dirigentes das centrais sindicais e o famoso pelego metalúrgico Joaquinzão, tão criticado, combatido e xingado por Lula e companheiros nos anos 70/80? Nenhuma.
*Suely Caldas é jornalista e professora de Comunicação da PUC-RJ (sucaldas@terra.com.br)