Entrevista:O Estado inteligente

domingo, agosto 17, 2008

Suely Caldas* Trocando seis por mais de uma dúzia


Pobres trabalhadores brasileiros! Desde a industrialização do País vivem o infortúnio de serem representados por pelegos, oportunistas e aproveitadores, que usam a representação sindical para outros objetivos - do trampolim político ao ganho financeiro - e não cuidam dos reais interesses de seus representados (há exceções, mas certamente não estão no topo das lideranças). Da estrutura sindical montada por Getúlio Vargas às centrais sindicais de hoje, as lideranças dedicam tempo, conversas, negociações e esforços a uma luta obstinada: como rechear os cofres das organizações sindicais. Passam os anos, mudam as relações de trabalho, modernizam-se as instituições, mas o caminho que buscam não muda: financiar-se com dinheiro público e do trabalhador.

Divergências e disputas entre as centrais desaparecem e elas se transformam numa única voz quando o negócio é conseguir mais dinheiro. Reportagem de Carlos Marchi, publicada na última quarta-feira no Estado, informa que as seis centrais se uniram, com o apoio do governo Lula, para apresentar ao Congresso projeto em que substituem o imposto sindical pela "contribuição negocial".

É trocar seis por meia dúzia? Não, caro leitor, é trocar seis por mais de uma dúzia inteira. Se hoje o trabalhador tem subtraído o valor de um dia de trabalho para pagar o imposto, vai passar a pagar 3,65 dias com a nova contribuição, se ela for limitada a 1% de sua remuneração anual como recomenda a Central Única dos Trabalhadores (CUT). O trabalhador com salário de R$ 1 mil paga hoje R$ 32,90/ano e passará a recolher R$ 120,00, se a taxa for 1% (a máxima), ou R$ 60,00, se for 0,5% (a mais baixa). Nas duas alternativas, o saque ao bolso do trabalhador é, no mínimo, o dobro.

Os dirigentes alegam que a nova contribuição precisará ser aprovada em assembléia, enquanto o imposto sindical é pago sem interferência alguma dos trabalhadores. Mas o diabo está nos detalhes: 1) as duas taxas são compulsórias e aplicadas a todos, não só aos que a aprovaram; e 2) sem exigência de um quórum mínimo, como está no projeto, o sindicato pode aprovar a contribuição em assembléia com presença de 50 pessoas e aplicá-la a 50 mil trabalhadores daquela categoria. O Sindicato dos Comerciários do Rio de Janeiro, por exemplo, cumpre rigorosamente a lei, realizando assembléias fantasmas com 40 participantes amigos que decidem por 200 mil.

A estrutura sindical herdada da era Vargas, com sindicatos, federações e confederações, continua inteira e ganhou duplicidade a partir de 1980, com a criação das centrais sindicais, que vivem batendo cabeça com federações e confederações. Tudo sustentado com dinheiro de impostos e dos trabalhadores. Antes existiam só a CUT e a Força Sindical, mas as centrais viraram seis quando o governo aceitou doar metade do que lhe cabia do imposto sindical. Hoje, elas recebem R$ 55,35 milhões do imposto e não há nenhum impedimento para que outras venham a ser criadas.

No regime capitalista, sindicatos são necessários e bem-vindos se defendem os interesses dos trabalhadores e atuam afastados da influência do governo e dos empregadores. Se seguir essa linha, o sindicato ganhará reconhecimento e seus filiados pagarão mensalidades voluntárias e merecidas. Assim acreditavam, há 30 anos, os sindicalistas do ABC paulista liderados por Luiz Inácio Lula da Silva. Para Lula, a extinção do imposto era fundamental para a liberdade sindical e independência do governo. Na Presidência da República, esqueceu, perdeu o interesse. Por que será?

Estudioso do assunto desde esse tempo, o economista José Márcio Camargo atribui a luta contra o imposto à disputa política com os sindicalistas pelegos da época: "A idéia era tirar o dinheiro dos pelegos e obrigá-los a se financiar com os filiados. Hoje isso acabou. Com o fim da inflação, os sindicatos enfraqueceram, as reivindicações são de 5% de aumento salarial e as empresas já dão isso. Hoje, só 10% dos trabalhadores estão sob a proteção dos sindicatos; os 90% restantes são lei de mercado. Desviar a luta sindical para outras reivindicações dá trabalho; o mais fácil é não depender do associado e levar o dinheiro público de graça."

Hoje as lideranças mudaram (para pior) e repetem métodos pelegos. Afinal, qual é a diferença entre os atuais dirigentes das centrais sindicais e o famoso pelego metalúrgico Joaquinzão, tão criticado, combatido e xingado por Lula e companheiros nos anos 70/80? Nenhuma.

*Suely Caldas é jornalista e professora de Comunicação da PUC-RJ (sucaldas@terra.com.br)

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