O fracasso da Rodada Doha e o adiamento para os próximos dois ou três anos da liberalização do comércio agrícola e industrial, da redução dos subsídios e da maior transparência nas regras que regulam o intercâmbio global não significam nenhum desastre para o Brasil.
Caso o acordo tivesse sido fechado, os resultados, segundo foi noticiado, seriam reduzidos, em virtude das muitas exceções na área agrícola e das restrições (quotas) sobre muitos produtos de nosso interesse, e não imediatos, porque o Congresso americano dificilmente ratificaria o acordo que incluiria níveis de subsídios significativamente abaixo do que fora aprovado na lei agrícola.
Não ficou claro se a abertura industrial maior em troca de um melhor acesso para produtos agrícolas seria equilibrada, já que o nível de ambição brasileira foi sendo reduzido a fim de permitir a conclusão da rodada. Sem acordo, a delegação não teve de retornar com o ônus de ter respaldado proposta que restringia acesso de produtos agrícolas ao mercado chinês e indiano e que determinava a obrigação de negociar dois acordos setoriais na área industrial.
Ao ceder rápido, no dizer do negociador argentino, e se colocar ao lado dos países desenvolvidos, e, portanto, contra o G-20 e a Argentina, o Brasil ficou bem na foto, o que poderia credenciar o país para o cargo de diretor-geral da OMC.
A mudança de posição foi acertada. “Atendeu ao interesse nacional”, disse o Ministro Celso Amorim, parecendo reconhecer que a prioridade da Rodada, a defesa das posições do G-20 e da unidade do Mercosul foram equivocadas e contrárias ao nosso maior e melhor interesse.
A forte expansão do comércio exterior brasileiro nesse período, em decorrência, sobretudo, do crescimento da economia mundial, em especial nos EUA e na China, e do alto preço dos produtos primários, fez com que Governo e setor privado não se dessem conta do erro de não perseguir acordos regionais e bilaterais, em paralelo às negociações multilaterais.
A politização das negociações comerciais e a prioridade atribuída aos países em desenvolvimento (Sul-Sul), relegaram para um segundo plano os países desenvolvidos maiores e mais dinâmicos. Nenhum acordo comercial significativo foi assinado.
Dentro desse contexto, caberia re-examinar a estratégia, dos últimos seis anos, de priorizar unicamente a negociação multilateral “para concentrar em coisas que dão resultados”.
Nessa redefinição, dever-se-ia incluir a melhoria da competitividade, por meio da aprovação de reformas que reduzam o custo Brasil sobre a produção nacional, a necessidade de despolitização das decisões comerciais e a conveniência do reexame de algumas das regras do Mercosul.
Para levar adiante essa política, sem novos impasses, a obrigação dos países membros do Mercosul de negociar com terceiros países com uma única voz deveria ser re-examinada. Enquanto isso não ocorrer, dificilmente será possível enfrentar o desafio de levar adiante negociações bilaterais entre o Mercosul e outros países extra região. Essa mudança permitirá o desbloqueio da agenda externa do grupo e, a médio prazo, com a convergência das tarifas negociadas por todos os países, fortalecerá o Mercosul pelo revigoramento da Tarifa Externa Comum.
Dentre as alternativas possíveis, a nova estratégia deveria focalizar, no tocante aos acordos individuais do Brasil, a abertura de negociações bilaterais com países da região (Brasil/América do Sul) a fim de ampliar reciprocamente, pelo menos nos níveis acordados na Rodada Doha, as preferências negociadas no âmbito da ALADI. Nosso objetivo deveria ser o de finalizar um acordo de livre comércio com o México e equalizar as tarifas concedidas pelos países membros da ALADI nos acordos de livre comércio com os EUA (México, Chile, Peru e Colômbia).
Impõe-se uma nova política de promoção comercial com relação aos países desenvolvidos, em especial os EUA, o principal mercado para os produtos brasileiros e o maior e mais dinâmico mercado global, sem prejuízo da prioridade do atual governo para as relações com os países em desenvolvimento (Sul-Sul). Na impossibilidade de os EUA aceitarem negociar um acordo bilateral, sem regras relacionadas ao comercio, como quer o Brasil, poderia ser ampliada a facilitação do comércio e examinados alguns acordos setoriais de interesse dos dois países.
A anunciada decisão do Governo de dar prioridade aos acordos bilaterais no âmbito do Mercosul, para ser bem sucedida, terá de superar dificuldades pela diferença de atitude dentro do bloco: ofensiva do Brasil e defensiva da Argentina. Essa situação tornou inviável a conclusão dos entendimentos com a União Européia em 2004 e mais recentemente com os países do Golfo. Seria de nosso interesse estender o número de produtos existentes no acordo com os países andinos (Mercosul/CAN) com vistas à formação de uma área de livre comércio na América do Sul e a abertura de negociações com países extra-zona de mercados significativos, como a União Européia e alguns países asiáticos, como a Coréia.
Caberia ao Congresso proceder a uma analise técnica e não política sobre a oportunidade e a conveniência do ingresso da Venezuela, antes de completar as negociações previstas no Protocolo de Adesão.
Nesse contexto, não pode ser adiado o fortalecimento da CAMEX, o órgão governamental competente para coordenar o trabalho de definição de uma nova estratégia de negociação comercial.
O Brasil tem interesses próprios a defender. O setor privado espera poder participar como parceiro e influir nas discussões com o Governo para reavaliar a atual política comercial externa a fim de definir o curso de ações para os próximos anos num mundo em transformação, complexo e altamente competitivo.