Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, agosto 18, 2008

A Petrobrás e o futuro do Brasil José Goldemberg


Perguntaram certa vez ao presidente francês François Mitterrand o que faltara para abrilhantar o seu longo governo de 14 anos de duração, e a resposta veio rápida: "Uma guerra." Este episódio, verídico, mostra claramente como são grandes as ilusões que se tem de governantes que lutam como leões para alcançar o poder e, quando o alcançam, desapontam a todos, inclusive a eles mesmos. Apesar das aparências, a grande maioria dos governos realiza pouco que possa ser considerado duradouro - e eles são esquecidos rapidamente.

Seria este o caso do atual governo do nosso país?

Não necessariamente, pois, no momento, existe um problema no Brasil que não envolve uma guerra, mas pode definir se o nosso futuro vai ser brilhante ou medíocre, e está ligado à maneira como o atual governo vai administrar o futuro da Petrobrás.

A empresa, responsável pelo que acontece em grande parte com o petróleo no País, descobriu não apenas uma nova reserva de petróleo, como tem feito com sucesso nos últimos anos, mas uma imensa província petrolífera, a mais de 7 quilômetros abaixo do nível do mar, numa região que não havia sido explorada, sob uma camada de vários quilômetros de espessura de sal. Isso não aconteceu por sorte ou acaso, mas como resultado de um duro trabalho de pesquisa e prospecção, usando técnicas pioneiras desenvolvidas pela própria Petrobrás, e que custou centenas de milhões de dólares. O campo descoberto (o de Tupi) tem cerca de 8 bilhões de barris de petróleo, mais da metade de todas as outras reservas brasileiras, e a Petrobrás tem a concessão para explorá-lo.

Até aí, nenhum problema e boas perspectivas, o que acontece, contudo, é que - ao que tudo indica - a área chamada de "pré-sal" tem uma extensão muito maior do que o Campo de Tupi e poderia tornar o País um grande produtor e exportador de petróleo, comparável aos atuais membros dominantes da Opep.

Essa perspectiva, talvez um pouco otimista, deu origem à proposta de criar uma nova empresa estatal que licitaria os novos blocos de exploração, já que apenas cerca de 25% dos blocos já licitados estão hoje nas mãos da Petrobrás - o que não é nenhuma novidade em relação ao atual modelo de concessões. A novidade seria a de que a nova empresa contrataria empresas de petróleo para operar os campos petrolíferos, inclusive a própria Petrobrás, pagando pelos serviços, mas ficando com o petróleo. Além disso, meras prestadoras de serviço não investiriam em pesquisas, como a Petrobrás tem feito.

O argumento que tem sido utilizado é o de que a Petrobrás tem cerca de 70% das suas ações nas mãos de investidores privados e elas são negociadas na Bolsa de Nova York. Por essa razão, os imensos lucros que a exploração futura do "pré-sal" (além de Tupi) vai gerar enriqueceriam esses investidores, e não o País como um todo.

Na realidade, a presença da Petrobrás na Bolsa de Nova York, com seus acionistas privados, é uma garantia de transparência fiscal e empresarial, bem como de práticas ambientais mais adequadas, uma vez que o valor das ações da empresa no mercado é sensível a elas. Além disso, a presença de investidores privados entre os acionistas da Petrobrás aumenta a sua capacidade de captar empréstimos internacionais.

Outras interpretações menos nobres existem para a nova proposta: uma é a de se que abriria com ela um novo cabide de empregos e outra, que seria uma forma de o governo "enquadrar" a Petrobrás e torná-la menos independente e auto-suficiente do que é hoje. O exemplo da todo-poderosa empresa estatal da Venezuela (a PDVSA) é dado como o modelo que não deve ser copiado.

Qualquer pessoa bem informada que conheça a estrutura de governo sabe muito bem que uma empresa estatal, bem gerida, tem uma liberdade e uma capacidade de realizar atividades e obras que a administração direta - por melhor que seja - não consegue levar a efeito. Por exemplo, a Petrobrás pode captar recursos no exterior e se associar a outras empresas internacionais de petróleo - o que, aliás, tem feito com grande agilidade. Parece, pois, contraproducente tomar medidas que tolham a ação da Petrobrás além do que já dispõe a legislação atual, de acordo com a qual a Agência Nacional do Petróleo (ANP) é o órgão regulador e o governo federal pode escolher livremente todos os dirigentes da empresa, que são demissíveis a qualquer momento. A existência de um corpo técnico altamente qualificado impede um excesso de politização da Petrobrás, o que é salutar.

Poder-se-ia também argumentar que a nova empresa proposta para conduzir a exploração do "pré-sal" - a exemplo da que foi criada na Noruega - seria pequena e constituída apenas por pessoal da área financeira, o que a tornaria até mais vulnerável do que a Petrobrás a influências políticas.

Para garantir à União o controle e o bom uso dos novos recursos provenientes da exploração dos novos campos uma solução seria aumentar a participação da União no capital da Petrobrás, com os recursos advindos das licitações das áreas do "pré-sal", reduzindo, pois, o peso dos acionistas privados. Os impostos adicionais recolhidos ao Tesouro permitiriam à União investir mais em infra-estrutura e na área social para o País todo, corrigindo as distorções que o atual sistema de royalties da Petrobrás utiliza e que privilegia certas regiões.

Esta estratégia parece mais atraente do que a criação de uma nova empresa inteiramente estatal para administrar o "pré-sal", que vai ser interpretada como uma "reestatização" do setor do petróleo, desnecessária e até contraproducente.

José Goldemberg, professor da USP, foi presidente da Companhia Energética de São Paulo (Cesp)

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