Entrevista:O Estado inteligente

sábado, agosto 23, 2008

Os ataques aumentam e Obama cai

A incrível chacina da genética

Você compraria um livro que chama o pai de um
candidato de alcoólatra, violento, polígamo,
fracassado e suicida? Nos EUA, é best-seller


André Petry, de Nova York

Matthew Cavanaugh/Getty Images

NO TOPO DA LISTA 
O livro chegou ao número 1 na lista dos mais vendidos com ataques ao pai de Obama, à mãe, à mulher e ao candidato, um "esquerdista radical", um "revolucionário"


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O pai do presidente Lula chamava-se Aristides. Era analfabeto, alcoólatra e violento. Morreu em 1978. Foi enterrado como indigente. Uma irmã de Lula assim o definiu: "Meu pai era um verdadeiro cavalo. Ele não era gente, sabe?". Lula disputou cinco eleições presidenciais e jamais seus adversários recorreram à biografia do pai para enxovalhar o filho. Desde a denúncia aborteira de Fernando Collor, em 1989, ficou mais ou menos convencionado que mexer com a família é baixeza excessiva. Na campanha presidencial nos Estados Unidos, não é bem assim. Chegou ao topo da lista dos mais vendidos do jornal The New York Times um livro que faz picadinho da família de Barack Obama. Num país que lê, livros fazem parte da briga eleitoral. Há títulos venenosos contra todos – inclusive contra o republicano John McCain. A particularidade do best-seller de agora é a sua despudorada chacina da genética.

Fotos Reuters e Brendan Mcdermid/Reuters

ESSA OBRA É SÉRIA?
Claro, diz Corsi, o autor: tem 681 notas bibliográficas


Com 364 páginas, The Obama Nation (A Nação Obama, mas no original, lendo-se com alguma rapidez, o título soa como a palavra inglesa "abominação") massacra principalmente a figura do pai de Obama, o queniano negro que morreu num acidente de carro em Nairóbi, em 1982. O velho Barack, acusa o livro, se encharcava de uísque e espancava a mulher da hora. Teve várias, e ao mesmo tempo, porque era polígamo. Ganhou bolsa para estudar nos Estados Unidos por injunções políticas e não por mérito intelectual. Foi um burocrata fracassado. Perdeu as pernas em um acidente de carro, bêbado. Morreu em outro acidente, também dirigindo bêbado, razão pela qual o autor diz que o velho Obama se matou. Eis o resumo: alcoólatra, polígamo, violento, fracassado e suicida.

Debulhando a autobiografia que Obama lançou em 1995, o autor questiona se Obama terá mesmo abandonado a maconha e a cocaína, que confessadamente consumiu na juventude. Até especula: não terá consumido drogas no Senado? O autor empenha-se em retratar Obama como muçulmano. Acusa-o de ter aderido ao cristianismo por oportunismo político. Consome páginas e páginas para apontar laços, discursos, passeatas e amizades segundo as quais ficaria demonstrado que o democrata é um esquerdista radical, revolucionário, amigo de ex-maoístas terroristas, anti-semita aliado de palestinos. A pancadaria contra o candidato é do jogo, mas o que espanta mesmo é o ataque aos familiares. A mãe de Obama é uma mulher estranha porque se casou duas vezes e sempre escolheu homens de países pobres, muçulmanos, alcoólatras e "de cor" – o padrasto de Obama era asiático, e não negro. A mulher de Obama, Michelle, é racista e elitista porque estudou nas melhores universidades americanas – Princeton e Harvard.

Com sua pena de jararaca, o autor quer aterrorizar o leitor-eleitor em relação ao legado paterno de Obama. É a denúncia da genética – no caso, genética pura, pois nem se pode falar em influência decorrente da relação entre pai e filho, já que Obama, tal como Lula, mal conviveu com o pai. Coincidência ou não, Obama tem caído nas pesquisas nos últimos dias, enquanto McCain está cada vez melhor. O autor do livro é Jerome R. Corsi, um senhor atarracado, cabelos brancos e cara cor-de-rosa. Para dizer que o livro é sério, repete feito mantra que tem 681 notas bibliográficas – no meio, blogs e blogueiros obscuros. Corsi é o mesmo que escreveu o petardo que ajudou a derrubar John Kerry diante de Bush em 2004. Ele jura que não é republicano. Se alguém aplicasse contra ele a tática que aplica contra os outros, poderia dizer que Corsi é contra a imigração ilegal porque sua mulher tem uma empresa de limpeza doméstica em Nova Jersey. Especule-se: quer evitar a concorrência desleal de empregadas clandestinas? Ele jura que não.

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