Entrevista:O Estado inteligente

sábado, agosto 16, 2008

Olimpíadas | Notas Cenas da China


Nacionalista, globalizada e – quando dá – loucamente consumista, a juventude chinesa é um
"país" de 300 milhões de pessoas


Thaís Oyama, de Pequim

Luxo suado (e autêntico)


Sharron Lovell
Meu reino por uma bolsa
Xu Xinjia (à esq.) e sua Louis Vuitton: seis meses de trabalho para comprá-la

Para comprar a bolsa Louis Vuitton da foto, a universitária Xu Xinjia, de 21 anos, trabalhou por seis meses, em regime de meio período, em uma loja McDonald’s de Xangai. Cada um dos 8 000 iuanes que ganhou (o equivalente a 1 200 dólares) foi gasto na compra. Ela discorda que seja sacrifício demais por uma bolsa: "Todas as minhas amigas fazem isso. É uma Louis Vuitton, afinal". Se alguém lhe pergunta se não passou pela sua cabeça simplesmente comprar uma bolsa pirata, a estudante recita a frase que o governo chinês, pressionado pelo governo americano, passou a disseminar nas escolas a partir dos anos 2000: "Falsificações são desprezíveis, imorais e ilegais".

 

O exército que veio do campo


Sharron Lovell
Vida dura, mas melhor
A manicure Huang: profissão considerada ótima entre os que migram do campo para as metrópoles

O crescimento da economia chinesa fez com que, nas duas últimas décadas, em torno de 200 milhões de pessoas deixassem o campo em direção aos centros urbanos. Em cidades como Pequim e Xangai, quem tem um pouco mais de sorte ou preparo escapa das fábricas e vai para o setor de serviços. Ser manicure, por exemplo, é considerado ótimo negócio, ainda que se trabalhe doze horas por dia, seis dias por semana, a 200 dólares por mês. É o caso de Huang Peipei, de 20 anos, que há três anos deixou a província de Anhui para morar em Xangai. Ela vive com outras doze moças em um alojamento providenciado pelo salão e, todos os meses, manda 130 dólares, mais da metade do seu salário, para os pais, lavradores. "Sou jovem, não preciso de tanto dinheiro", diz.

 

Cabeças do além-mar

Tentar se comunicar em inglês na China ainda é como tentar entabular uma conversa com a Grande Muralha. Mas isso deve mudar em breve. Os chineses estão ganhando o mundo a passos rápidos. Se até 2004 existiam apenas 380 000 jovens estudando no exterior, só no ano passado 150 000 estudantes deixaram a China, na maior parte das vezes, em direção aos Estados Unidos. Uma projeção do Instituto de Pesquisa sobre Jovens e Crianças da China aponta que 75% desses estudantes devem retornar ao país – e para fazer sucesso, segundo Zhao Changchun, diretor administrativo do instituto. "Embora não exista uma pesquisa sobre o assunto, é notório que todas as pessoas vencedoras hoje em dia são ‘haidai’." A expressão chinesa significa, literalmente, "os que voltaram do além-mar". "Daqui para a frente, são esses os homens que vão liderar a China", prevê.

 

A redenção dos filhos únicos


Fabrice Coffrini/AFP
Solidários e patriotas
A geração dos sem-irmãos: fim da má fama

Graças à política do filho único instituída em 1979, a China produziu a primeira geração da história do mundo composta majoritariamente de jovens sem irmãos. Até há pouco tempo, essa geração era vista por boa parte dos chineses como consumista, mimada e desgarrada dos ensinamentos de Confúcio (sobretudo aqueles que falam dos deveres filiais). Dois episódios recentes contribuíram para polir a imagem dos Pequenos Imperadores, como ficaram conhecidos os filhos únicos chineses: o terremoto que atingiu a província de Sichuan e a Olimpíada de Pequim. No primeiro, imprensa e políticos não se cansaram de louvar a solidariedade dos milhares de jovens que, além de ajudar nos trabalhos de resgate, contribuíram para amenizar o sofrimento das vítimas com seu sangue e sua mesada. Agora, os jovens chineses livraram a cara de vez: estão no centro da explosão nacionalista  potencializada pela Olimpíada de Pequim. Os Pequenos Imperadores chineses agora são os Grandes Guardiões da pátria.

 

Mãe, a senhora é muito boa!

Entre os modernos de Pequim, fazem sucesso os clubes em que os freqüentadores dançam ao som de música ao vivo (e também pulam e se empurram selvagemente uns aos outros, segundo a prática, aparentemente universal, que se convencionou chamar de headbanging, ou, em bom português, bate-cabeça). Neles, apresentam-se bandas de hip hop como o CMCB – ou Chinese MC Brothers. Seus integrantes exibem os mesmos ares rebeldes das bandas de hip hop de todo o mundo e, como toda banda de hip hop, adoram gritar uns palavrões de vez em quando para gáudio da platéia. Mas há uma coisa que o CMCB não tem: sexo nas letras. Ou, pelo menos, diz que não tem (na China, referências eróticas ocupam o mesmo lugar que manifestações políticas: quando não são reprimidas pelo governo, o são na origem). Confrontado com a frase de uma de suas músicas – "Ela tem um corpo bom"–, o vocalista e compositor do CMCB negou que estivesse se referindo a uma mulher que houvesse despertado o seu desejo. Estava falando de quem, então? "Da minha mãe", respondeu, candidamente. "Era uma homenagem a ela."

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