A futura exploração das recentemente anunciadas reservas de petróleo da camada do pré-sal coloca um enorme desafio para os dirigentes de nosso país. Tão abundantes parecem ser que, certamente, se inaugurará uma nova etapa no desenvolvimento do País. O uso que fizermos desses recursos pode levar-nos à prosperidade ou ao desencanto. Isso nos obriga a debater o marco regulatório hoje vigente no setor. Há coisas que precisam ser mudadas, como a distribuição e a utilização dos recursos obtidos com o petróleo, mas alterações mais amplas como a criação de uma nova empresa estatal para gerir essas reservas se constituem numa falsa questão.
A experiência internacional registra exemplos de muitos países exportadores de petróleo que desperdiçaram suas receitas em consumo supérfluo e investimentos questionáveis, gerando desigualdade social e pobreza endêmica, sem falar na corrupção na vida pública. Além da manutenção da dependência da economia em apenas uma fonte de riqueza, a abundância de recursos em divisas promovida pelo petróleo tende a gerar o que se conhece em economia como a "doença holandesa", que leva a uma valorização estrutural da moeda e a um processo de desindustrialização do país.
Entretanto, também há casos notáveis de nações que construíram um sólido processo de desenvolvimento a partir dos recursos abundantes do petróleo. A diferença entre os dois casos está no tipo de uso que se fez do enorme excedente econômico proporcionado por essa riqueza. Somos chamados, hoje, a escolher entre seguir o caminho da Noruega ou o da Venezuela. Para andarmos na direção correta o essencial é garantirmos dois pontos:
Que uma parte significativa dos recursos oriundos do petróleo seja apropriada publicamente pela sociedade;
e que esses recursos tenham como destino o investimento em setores ou programas que solucionem problemas estruturais que estejam impedindo o desenvolvimento do País.
O atual marco institucional que regula o setor do petróleo no Brasil foi definido a partir de 1997. As reservas de petróleo e gás foram mantidas sob o domínio do Estado brasileiro, criou-se a Agência Nacional do Petróleo (ANP) e se permitiu o investimento privado, que ocorreu em grande medida em parceria com a Petrobrás. Dificilmente se encontrará um caso de maior sucesso no mundo. Em uma década, o setor, que representava 3% do PIB, passou a significar mais de 10%; o número de grupos atuando no setor supera a centena; a produção de petróleo mais que dobrou, o mesmo acontecendo com as reservas efetivamente medidas. A grande beneficiária (além da sociedade brasileira) foi a própria Petrobrás, cujo lucro se multiplicou por cinco vezes no período. Hoje a empresa é nossa maior multinacional, atuando em 26 países. Isso tudo sem uma gota de óleo do pré-sal. Ao contrário, a própria descoberta dessas novas reservas deve ser creditada a esse modelo.
Neste contexto, é difícil justificar mudanças profundas no marco regulatório do setor. Fazem sofisma os que as defendem supostamente para seguirmos o que faz a Noruega. Como mostrou reportagem publicada pelo Estado no último domingo, o marco regulatório vigente no Brasil já é muito semelhante ao daquele país. A diferença é que lá não há leilões públicos, sendo as concessões outorgadas mediante uma avaliação de propostas dos interessados. Sabemos que os padrões de probidade administrativa aqui vigentes distam muito dos que caracterizam os países nórdicos e, por isso, é recomendável mantermos nossos leilões públicos!
A distribuição dos recursos que o País obtém com o petróleo contempla hoje os Estados, os municípios e a União, mediante a repartição dos royalties. O ente federal conta ainda com as "participações especiais", fixadas por decreto e que podem alcançar até 40% da receita líquida. Em função disso, alguns argumentam que o atual marco legal poderia ser mantido imutável no novo cenário: bastaria um decreto do presidente para canalizar os recursos adicionais para o Estado. O problema, contudo, está na distribuição dos royalties, que está longe de ser justificável. A manutenção dos critérios atuais de sua repartição implicaria gigantesco desperdício de recursos, aplicados sem critérios de prioridades nacionais pelas instâncias não-federais. Assim, é necessário promover mudanças legislativas para assegurar uma parcela maior para a União.
A outra grande questão é garantir que esses recursos adicionais sejam canalizados para os projetos e setores realmente prioritários para o desenvolvimento do País. Uma nova estatal, mesmo que totalmente pública, não o assegura. Ao contrário, será um instrumento a serviço da política de governos eventuais - que nomeariam seus dirigentes - e não das políticas de Estado. Nesse caso, seria mais barato deixar esses novos recursos simplesmente na mão do Tesouro para serem alocados segundo as políticas e conveniências de cada governo.
Em artigo publicado há dois meses defendi que as novas receitas do petróleo deveriam ser aplicadas num fundo para investir na melhoria da nossa educação básica. Aparentemente, haveria recursos em abundância para ampliar o seu escopo, incluindo áreas como ciência e tecnologia, defesa e segurança nacionais ou programas de desenvolvimento industrial. O importante é que as aplicações desse fundo atendam ao interesse nacional, sobrepassando os horizontes dos governos de turno, que ele seja gerido de forma suprapartidária e não venha a ter seus recursos contingenciados em nenhuma hipótese. Essas características deveriam ser definidas em dispositivo constitucional para tratar da matéria.
Esta é a tarefa de nossa geração para que as futuras desfrutem o resultado de nossa clarividência.
Entrevista:O Estado inteligente
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