Três dias antes das eleições para prefeito, em 30 de outubro de 1976, o candidato da Arena em Palmares (PE) renuncia. O governador Moura Cavalcanti corre para lá e indaga: "Quem é o sujeito mais popular do partido na cidade?" Indicam o Gaguinho, ali mesmo escolhido. E vão logo dizendo: "O homem não consegue dizer uma frase, é gago demais." O governador anima-se: "Não precisa falar, só acenar, se mostrar." Em cima do palanque, Gaguinho faz apenas o V da vitória. Não pronuncia uma palavra. E ganha a eleição.
Diante do canhestro desfile de nomes, gestos e monossílabos que se começa a ver na TV, neste início de programa eleitoral, em que os candidatos a vereador exibem suas "condições e qualidades", o caso do tartamudo pernambucano pode ser uma boa dica para o comportamento dos figurantes. Naquela oportunidade, o padrinho, a força do governo estadual na época da ditadura, certamente contribuiu para o sucesso. Mas o tipo esquisito do candidato, com seus dotes (?), deve ter ajudado a atrair os eleitores.
A questão está na ordem do dia. Em algumas capitais, os candidatos a prefeito do sistema governista apostam na força do padrinho maior, o presidente Lula, ou de padrinhos menores, como ministros e governadores, para ganhar a eleição. Outros acreditam nas chances de vitória por conta do tempo de que disporão na mídia eleitoral. E milhares de candidatos a vereador esperam ganhar cadeiras nas Câmaras Municipais pela maneira estrambótica como se apresentam na programação, recitando mantras, fazendo gestos tresloucados e promessas vazias e genéricas como a expressão oca das falas. Afinal, qual é a influência do aparato de pressão e de discurso sobre o eleitor? Vejamos o que pensava Maquiavel. Dirigindo-se ao príncipe, dizia: "Os homens em geral julgam antes com os olhos que com as mãos, pois todos têm a oportunidade de ver, mas raramente de apalpar. Todo mundo vê muito bem o que aparentas por fora, mas poucos percebem o que há por dentro; e esses poucos não se atrevem a contrariar a opinião dos muitos. O vulgo só julga aquilo que vê."
Os eleitores de Palmares teriam apostado na graça ingênua do Gaguinho e, assim, dado razão a Maquiavel ou sido influenciados pelo "poder de convencimento" do manda-chuva estadual? O mais provável é que o candidato tenha sido beneficiado pelos dois fatores, ganhando, de um lado, as adesões de um contingente sem compromisso com a seriedade e disposto a eleger um perfil exótico e, também, do grupo cercado no curral governista. Há de tudo nas urnas: voto sério e consciente, voto vendido, voto debochado, voto inconseqüente. Mas há também o voto de protesto, que se fixa de maneira mais intensa nas regiões onde o eleitorado expressa um discurso contundente contra os atores políticos, particularmente no Sudeste e no Sul. Os conglomerados maiores são geralmente cooptados pela micropolítica, amparados por esquemas assistencialistas no entorno de vereadores. Essa base de votação perpetua o status quo.
Sobre essa turba, o padrinho político, a começar pelo presidente da República, tem grande poder de persuasão. A força do convencimento começa pelo estômago saciado. Nestes estratos populacionais Lula é visto como o salvador, o homem providencial. Com tal manto simbólico, exerce mais influência em Regiões como o Norte, o Nordeste e o Centro-Oeste do que no Sudeste, onde a população urbana tem outras carências que não apenas as supridas por bolsas-auxílio. Portanto, há uma gradação na escala persuasiva. Nas metrópoles, o fator municipal prevalece sobre o fator federal, o que não exclui o magnetismo do mandatário-mor para atrair as margens sociais. O chefe do poder estadual, por maior proximidade com os munícipes, funciona como forte elo de cooptação, principalmente quando é bem avaliado pelo eleitor. As regras da política, porém, são flexíveis. Candidatos e padrinhos precisam comungar ideários e integrar atitudes. A tarefa de transferir votos não é algo automático. Se o receptor não captar a música do emissor, o processo de transferência se anula. É balela dizer que um gordo padrinho transfere massa eleitoral para um raquítico afilhado.
A mídia, ou seja, o programa eleitoral também exerce influência ao propiciar conhecimento sobre propostas dos candidatos e, por conseguinte, instalar na mente dos eleitores uma espécie de chip psicológico que embute os fenômenos da projeção e da identificação: as pessoas identificam no perfil dos contendores valores que consideram próximos aos seus, moldando suas expectativas às idéias expostas. Mas a política do panis et circensis (pão e circo) da Roma dos Césares exige a espetacularização do discurso. E aqui entra a encenação circense da campanha. Os sortilégios comportam formas e cores, gestos e trejeitos, símbolos e máscaras, ou seja, uma dose de palhaçada. O espaço lúdico, que se faz presente na repetição de mantras, cantos, jingles e exibição de objetos e apetrechos (o óleo de peroba, a panela vazia, gesticulação grotesca de mãos e dedos), deveria funcionar como laço para segurar a atenção do eleitor. Nem sempre essa azeitona deixa a empada mais gostosa. Seus efeitos são limitados e, às vezes, engasga o próprio candidato.
Essa é a paisagem midiática em que se faz a encenação do pleito. Nunca as bênçãos concedidas pelos padrinhos foram tão disputadas pelos afilhados. Ora, é natural que candidatos procurem juntar sua imagem à de celebridades e olimpianos da cultura de massa com a finalidade de jogar anzóis e pescar a atenção de eleitores. Precisam, porém, se precaver contra exageros. A bengala psicológica de alguns candidatos poderá deixá-los no meio da rua. Da mesma forma, o mantra do "fulano fez, fulano faz, fulano fará" já esgotou sua cota de credibilidade. Por fim, as apelações de candidatos - uso do esporte, menção a filhos homossexuais, autoria de idéias mirabolantes e inexeqüíveis - até podem quebrar a chatice dos programas eleitorais. Porém, de tão ridículas, transformam-se em bumerangue.
Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP e consultor político
Diante do canhestro desfile de nomes, gestos e monossílabos que se começa a ver na TV, neste início de programa eleitoral, em que os candidatos a vereador exibem suas "condições e qualidades", o caso do tartamudo pernambucano pode ser uma boa dica para o comportamento dos figurantes. Naquela oportunidade, o padrinho, a força do governo estadual na época da ditadura, certamente contribuiu para o sucesso. Mas o tipo esquisito do candidato, com seus dotes (?), deve ter ajudado a atrair os eleitores.
A questão está na ordem do dia. Em algumas capitais, os candidatos a prefeito do sistema governista apostam na força do padrinho maior, o presidente Lula, ou de padrinhos menores, como ministros e governadores, para ganhar a eleição. Outros acreditam nas chances de vitória por conta do tempo de que disporão na mídia eleitoral. E milhares de candidatos a vereador esperam ganhar cadeiras nas Câmaras Municipais pela maneira estrambótica como se apresentam na programação, recitando mantras, fazendo gestos tresloucados e promessas vazias e genéricas como a expressão oca das falas. Afinal, qual é a influência do aparato de pressão e de discurso sobre o eleitor? Vejamos o que pensava Maquiavel. Dirigindo-se ao príncipe, dizia: "Os homens em geral julgam antes com os olhos que com as mãos, pois todos têm a oportunidade de ver, mas raramente de apalpar. Todo mundo vê muito bem o que aparentas por fora, mas poucos percebem o que há por dentro; e esses poucos não se atrevem a contrariar a opinião dos muitos. O vulgo só julga aquilo que vê."
Os eleitores de Palmares teriam apostado na graça ingênua do Gaguinho e, assim, dado razão a Maquiavel ou sido influenciados pelo "poder de convencimento" do manda-chuva estadual? O mais provável é que o candidato tenha sido beneficiado pelos dois fatores, ganhando, de um lado, as adesões de um contingente sem compromisso com a seriedade e disposto a eleger um perfil exótico e, também, do grupo cercado no curral governista. Há de tudo nas urnas: voto sério e consciente, voto vendido, voto debochado, voto inconseqüente. Mas há também o voto de protesto, que se fixa de maneira mais intensa nas regiões onde o eleitorado expressa um discurso contundente contra os atores políticos, particularmente no Sudeste e no Sul. Os conglomerados maiores são geralmente cooptados pela micropolítica, amparados por esquemas assistencialistas no entorno de vereadores. Essa base de votação perpetua o status quo.
Sobre essa turba, o padrinho político, a começar pelo presidente da República, tem grande poder de persuasão. A força do convencimento começa pelo estômago saciado. Nestes estratos populacionais Lula é visto como o salvador, o homem providencial. Com tal manto simbólico, exerce mais influência em Regiões como o Norte, o Nordeste e o Centro-Oeste do que no Sudeste, onde a população urbana tem outras carências que não apenas as supridas por bolsas-auxílio. Portanto, há uma gradação na escala persuasiva. Nas metrópoles, o fator municipal prevalece sobre o fator federal, o que não exclui o magnetismo do mandatário-mor para atrair as margens sociais. O chefe do poder estadual, por maior proximidade com os munícipes, funciona como forte elo de cooptação, principalmente quando é bem avaliado pelo eleitor. As regras da política, porém, são flexíveis. Candidatos e padrinhos precisam comungar ideários e integrar atitudes. A tarefa de transferir votos não é algo automático. Se o receptor não captar a música do emissor, o processo de transferência se anula. É balela dizer que um gordo padrinho transfere massa eleitoral para um raquítico afilhado.
A mídia, ou seja, o programa eleitoral também exerce influência ao propiciar conhecimento sobre propostas dos candidatos e, por conseguinte, instalar na mente dos eleitores uma espécie de chip psicológico que embute os fenômenos da projeção e da identificação: as pessoas identificam no perfil dos contendores valores que consideram próximos aos seus, moldando suas expectativas às idéias expostas. Mas a política do panis et circensis (pão e circo) da Roma dos Césares exige a espetacularização do discurso. E aqui entra a encenação circense da campanha. Os sortilégios comportam formas e cores, gestos e trejeitos, símbolos e máscaras, ou seja, uma dose de palhaçada. O espaço lúdico, que se faz presente na repetição de mantras, cantos, jingles e exibição de objetos e apetrechos (o óleo de peroba, a panela vazia, gesticulação grotesca de mãos e dedos), deveria funcionar como laço para segurar a atenção do eleitor. Nem sempre essa azeitona deixa a empada mais gostosa. Seus efeitos são limitados e, às vezes, engasga o próprio candidato.
Essa é a paisagem midiática em que se faz a encenação do pleito. Nunca as bênçãos concedidas pelos padrinhos foram tão disputadas pelos afilhados. Ora, é natural que candidatos procurem juntar sua imagem à de celebridades e olimpianos da cultura de massa com a finalidade de jogar anzóis e pescar a atenção de eleitores. Precisam, porém, se precaver contra exageros. A bengala psicológica de alguns candidatos poderá deixá-los no meio da rua. Da mesma forma, o mantra do "fulano fez, fulano faz, fulano fará" já esgotou sua cota de credibilidade. Por fim, as apelações de candidatos - uso do esporte, menção a filhos homossexuais, autoria de idéias mirabolantes e inexeqüíveis - até podem quebrar a chatice dos programas eleitorais. Porém, de tão ridículas, transformam-se em bumerangue.
Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP e consultor político