Entrevista:O Estado inteligente

sábado, agosto 16, 2008

O jogo pesado de Londres O Estado de S. Paulo EDITORIAL,

Primeiro, o governo britânico incluiu o Brasil numa lista de países "suspeitos", aos quais foi dado um prazo - até o fim do ano - para colaborar com o endurecimento do controle dos interessados em viajar para o Reino Unido e da repressão aos que ali se fixaram ilegalmente - nos termos de Londres, "uma política mais rígida de fiscalização de quem desobedece às leis da imigração". Depois, como o Estado também acaba de revelar em primeira mão, o embaixador de Sua Majestade em Brasília, Peter Collecott, levou pessoalmente ao chanceler Celso Amorim e ao titular da Justiça, Tarso Genro, uma carta ameaçadora, assinada pelos ministros britânicos das Relações Exteriores e do Interior. "A menos que trabalhemos juntos nos próximos seis meses", diz o documento entregue em julho último, "não teremos outra opção a não ser introduzir um regime de vistos para o Brasil." Os países da União Européia (UE) dispensam da exigência os turistas brasileiros - e vice-versa.

Guardadas as proporções, a iniciativa britânica soa a "chauvinismo de grande potência", como a China se referia à conduta do Kremlin, durante o conflito sino-soviético. A falta de tato de Whitehall, para dizer o menos, começou com a equiparação do Brasil, sem aviso prévio, à África do Sul, Bolívia, Botsuana, Ilhas Maurício, Lesoto, Malásia, Namíbia, Suazilândia, Trinidad e Tobago e Venezuela, como fonte de problemas. Ou porque os seus nacionais estariam entre os maiores contingentes de clandestinos no território ou porque se envolveriam habitualmente em atividades criminosas. Os britânicos calculam em 150 mil os brasileiros ilegais; decerto poucos deles vivem do crime. O mesmo vale, em geral, para os 4 milhões de compatriotas no exterior. Sabe-se que os estrangeiros clandestinos são um dos maiores problemas em toda a UE. Não se tem notícia, porém, de que sejam punidos os europeus para os quais trabalham por salários vis e sem direitos.

De todo modo, uma coisa é a preocupação do Reino Unido; outra, a tentativa de impor ao Brasil "mecanismos de mitigação" unilateralmente estabelecidos. É inaceitável, por exemplo, a pretensão de fixar policiais britânicos em Guarulhos para identificar imigrantes clandestinos em potencial. Isso é diferente de oferecer assistência técnica à Polícia Federal para que aperte o cerco aos falsos turistas ou portadores de documentos forjados. É também descabida a idéia de obrigar agências de viagem a filtrar os seus clientes, recusando-se a vender bilhetes a quem não lhes pareça "visitante genuíno". A elas cabe apenas informar os compradores das exigências para admissão nos países a que se destinam. São as companhias aéreas que devem conferir, como já fazem rotineiramente, se a documentação do passageiro atende a tais requisitos; do contrário, impedirão o embarque. Essa checagem sempre pode ser aperfeiçoada, mas não cabe ao pessoal do balcão julgar a autenticidade dos papéis entregues.

É razoável que os britânicos queiram que o Brasil, por meio de suas autoridades consulares, estimule os ilegais a voltar, adotando o programa chamado Retorno Voluntário Assistido. Países da União Européia oferecem, eles próprios, a assistência. Mas isso deve ser objeto de um acordo bilateral - e não uma entre outras condições a serem cumpridas para que os turistas brasileiros não voltem a precisar de visto de entrada. Outra imposição é a de que a Polícia Federal entreviste os nacionais que tiverem sido deportados do Reino Unido para investigar eventuais redes de imigração ilegal. Ora, imigrar clandestinamente para um país não é crime no Brasil - a menos que envolva a falsificação de documentos brasileiros ou pese sobre os ilegais a suspeita de participação em quadrilhas de traficantes de pessoas, drogas ou pedofilia. À parte isso, a polícia só pode mesmo "entrevistar" os retornados. Seja como for, no Itamaraty se acredita que a questão de fundo é outra.

O governo britânico teria apresentado uma relação de demandas, entre as quais algumas afrontosas à soberania nacional, a serem atendidas, de resto, com data marcada, só para criar um impasse que terminaria com a retomada dos vistos. Se é desse retrocesso nas relações bilaterais que se trata, só restará ao Brasil aplicar o princípio da reciprocidade.

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